A Odalisca
(Jonesoh; Adeel Kaweski)
A OdaliscaOlhou de um lado, olhou do outro como quem estava procurando algo. Acertou o chapéu na cabeça quebrando um pouco a aba para baixo, jogou o cigarro no chão e com a habilidade que lhe era peculiar amassou a ponta acesa da “xepa” com a sola do bico-fino recém lustrado na engraxataria da esquina.
Atravessou a rua deserta. O apito da cervejaria chamava os operários para o último turno da noite.
Haroldo era um desses homens que a hora nunca lhe diz nada, porém, num gesto mecânico contemplou com orgulho o reluzente "Omega Seamaster".
Eram dez horas de uma noite fria. Aproveitou para chacoalhar o pulso e dar mais um pouco de corda no caro relógio que havia ganhado num jogo de bilhar dias antes num bar na rua XV de Novembro.
Tinha dormido até as dezoito horas para recuperar-se de um fogo danado que havia pegado na noite anterior. Principiou uma chuva fina, praguejou entredentes. Logo hoje! Puta-que-pariu! Que merda!
Um vento frio soprou do sul atingindo suas orelhas de abano. Levantou a gola do paletó para melhor protegê-las.
A chuva embora parca já deixava poças nas reentrâncias dos paralelepípedos que com sua cor negra refletia a luz amarelecida das lâmpadas incandescentes que tentavam vencer a escuridão da noite.
Chegou ao ponto aprazado. Conferiu o endereço num pedaço de papel pardo que guardava há muito tempo no bolso interno do paletó. Tirou o chapéu, virou a cabeça para cima, conferiu o número, é aqui. Recompôs-se. Limpou os pés na calçada. Quando se preparava para entrar, algo lhe tocou o ombro, virou-se assustado. O que viu deixou-o abismado. Sua colega de trabalho, a mais cobiçada do escritório, vestida de odalisca, fantasia essa que o atormentava há muito tempo. Olhares trocados, a fabulosa puxou-o carinhosamente pelo braço, principiaram a subir a velha escada de madeira cujo vermelho da cera e da passadeira de linóleo o deixavam ainda mais enlouquecido.
O que veio a seguir foi algo de aterrador.
O estrondar das duas campainhas de seu velho "Westclox" com corda total estraçalhavam seus ouvidos acabando com sua festa, intimando-o para mais uma jornada de trabalho junto com a maravilhosa do escritório e que por certo não estaria vestida de odalisca.
Adeel Kaweski
O autor destas parcas e
incômodas linhas não é
jornalista. Não é...! Não é...!
Não é...! Também não é...!
E também não é, claro que
não é... pó !!!
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