Filhos super-amados
(Helena Azeredo; composto por mim)
Enganamo-nos ao pensar que os estamos a ajudar a crescer retirando-lhes os obstáculos do seu percurso. A vida real não é fácil, mas as pedras que encontramos no nosso caminho são os degraus que nos fazem subir mais alto. Falhamos ao impedi-los de aprender a assumir os próprios erros, a reconhecer as suas falhas e ter a humildade de pedir desculpa, sempre que nos ocupamos em disfarçar as suas asneiras, por mais insignificantes que possam parecer. Às vezes apenas porque sabemos ser também atingidos pelos olhares críticos que lhes são dirigidos. Iludimo-nos ao pensar que a imposição de regras lhes limita a liberdade: a verdadeira liberdade é a liberdade consciente de quem conhece e sabe respeitar os limites. Ao permitir que vivam sem regras estamos a enganá-los a eles também, criando-lhes a falsa impressão de que tudo podem. Quais as consequências futuras, como reagirão quando se depararem com as inflexíveis imposições da sociedade? Fugimos às nossas responsabilidades ao antecipar o seu poder de decisão sem que sejam ainda capazes de distinguir entre o que desejam e o que lhes é mais favorável. Sem que previamente lhes demonstremos por palavras e exemplos quais as melhores opções. Esquecemo-nos de que a família é a primeira escola de vida. E de que os irmãos são os nossos iguais com os quais damos os primeiros passos na aprendizagem da partilha, da solidariedade, mas também da luta pelos nossos interesses e da defesa própria. Os irmãos são a nossa melhor escola de relações humanas, são o primeiro exemplo da diversidade, são os nossos melhores companheiros de brincadeiras, os nossos maiores confidentes, e também os nossos mais duros críticos. Teremos o direito de retirar aos nossos filhos essa mais-valia desculpando a nossa atitude com o argumento de que teremos mais para dar a menos filhos? Mais de quê? Escusamo-nos a lembrar que é em família e no cumprimento das mais pequenas tarefas que aprendemos o sentido da cooperação e da entreajuda, que compreendemos que temos que ter um papel activo na sociedade, e que, mesmo alguns trabalhos que nos parecem secundários, são parte integrante e essencial para o bom funcionamento geral. Ignoramos que sacrificamos a sua autonomia e a sua responsabilidade por não permitirmos a sua gradual incursão no mundo nem a experimentação de situações em que estejam completamente sozinhos, por sua conta e risco, mantendo-os sempre sob o nosso olhar protector ou aprisionados dentro das grades da escola. Não os preparamos para enfrentar o mundo, não os ensinamos a tomar decisões, a ponderar os prós e os contras das atitudes que possam tomar nem a fazer opções conscientes. Admirar-nos-emos talvez quando, na ânsia de se libertarem, correrem irreflectida e desenfreadamente na direcção de tudo o que lhes está vedado. Fechamos os olhos à importância que terá na sua vida futura a facilidade que possam desde já adquirir em se relacionar com quem pensa e vive de outro modo, ou simplesmente tem um corpo diferente do seu, privando-os da aprendizagem de valores tão fundamentais como o respeito pela diferença e a solidariedade, mas sobretudo da descoberta da individualidade de cada ser humano, longe das sombras que os preconceitos projectam nas relações entre as pessoas. Cremos em falsos ideais, associando a auto-confiança e a auto-estima dos nossos filhos aos objectos e bens que possam exibir, levando os nossos filhos a convencerem-se que valem pelo que têm mais do que pelo que são. Deixamo-nos engolir pelo consumismo, ao aceitar e seguir a regra estabelecida de que os sentimentos de inferioridade e a insegurança estão directamente relacionados com o que se possui. Negamos-lhes a possibilidade de construção de um amor-próprio alicerçado no conhecimento pessoal, na consciência das próprias capacidades não só intelectuais mas sobretudo de influência positiva à sua volta, na certeza de que cada pessoa é um ser único e insubstituível, e em que nada pesa aquilo que se tem, mas o que se é, e em que importa sobretudo o que se faz para, mesmo em pormenores aparentemente insignificantes, mudar o mundo para melhor. Retiramos-lhes a faculdade de reconhecer o valor do que têm, de saborear as pequenas conquistas, porque tudo conseguem sem o menor esforço, conduzindo-os a uma permanente insatisfação, que poderão procurar compensar buscando o prazer fácil e imediato no álcool, nas drogas e numa sexualidade irresponsável. Demitimo-nos do nosso papel de educadores ao passar para a escola as responsabilidades que são nossas e exclusivas. São os pais quem deve acompanhar os filhos na execução dos trabalhos de casa, para melhor compreenderem a vida escolar dos filhos, para poderem prever e entender as suas dificuldades, para aprofundar a relação de proximidade entre as gerações. São os pais quem lhes deve ensinar as mais básicas regras da vivência em sociedade, somos o seu primeiro e mais marcante modelo - é connosco e seguindo o nosso exemplo que se tornam Homens e Mulheres. São os pais quem deve, procurando auxílio externo se disso sentirem necessidade, num clima de intimidade familiar, aconselhar e orientar os filhos para uma sexualidade responsável e indissociada dos valores, não abdicando desta sua missão em favor de um modelo generalista que não poderá respeitar a individualidade e a intimidade de cada um. Talvez devamos parar para pensar que se as vitórias se conseguem à custa das derrotas de outrem, neste caso os principais derrotados são os nossos filhos. Será que os amamos da melhor maneira?
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