Política: a arte da rapinagem?
(Osmar Rufino Braga)
Há uma linda crônica de Rubem Alves intitulada "Jardim", em cuja inspirada construção ele termina assim: "Metáfora: somos a borboleta. Nosso mundo, destino, um jardim. Resumo de uma utopia. Programa para uma política. Pois política é isto: a arte da jardinagem aplicada ao mundo inteiro. Todo político deveria ser jardineiro. Ou, quem sabe, o contrário: todo jardineiro deveria ser político. Pois existe apenas um programa político digno de consideração. E ele pode ser resumido nas palavras de Bachelard:"O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso."
Apesar desta beleza de texto ter sido escrito há muito tempo, é oportuna e atual a reflexão de Rubem Alves.
Ela nos força a afirmar que a "arte da jardinagem" transformou-se em "arte da rapinagem". A polis é vista como um espaço de rapinagem, onde muitos procuram abocanhar um pedaço, se articulando, fazendo as mais terríveis alianças, usando as mais abomináveis estratégias, tramando as mais ardilosas armadilhas, pois a rapina, nos tempos atuais, é a mais nobre das artes. Não importa o passado do rapinador, sua origem, história, suas práticas, seu discursos; o importante é aprender os ofícios da arte.
O jardineiro já não é o mesmo. Não são os mesmos os seus instrumentos.
É preciso um novo olhar para perceber que as mudanças que afetaram o jardineiro e seus instrumentos, pois estes últimos estão à serviço da rapinagem. Vejamos algumas dessas mudanças: - O partido político, ferramenta natural e própria da "arte da jardinagem" caiu em descrédito geral. Não se muda ou altera o jardim pela via partidária. Só serve para a rapinagem. Como mediação política, não exprime mais a "vontade geral" nem é eficaz no cuidado com o jardim. - A democracia representativa não serve mais ao jardim, o povo prefere a democracia direta. Esta última é mais eficiente e eficaz na luta pela manutenção do jardim e na defesa de seus direitos. É um grande inseticida contra a rapinagem.- Infelizmente (ou felizmente?) dependemos das personalidades, figuras que personalizaram a política partidária. São homens e mulheres que incorporam a figura do jardineiro, mas a partir de si mesmos e de sua história. Conservam o poder graças a mídia, o palanque eletrônico.- Fala-se mais hoje de direitos em relação ao jardim do que de ideologias. Defende-se o jardim com projetos sociais, em nome dos direitos, e muito pouco em nome das ideologias, de projetos ideológicos. - A luta pela preservação e manutenção do jardim é feita com base na valorização do poder local. Lutas amplas ou em nível macro perderam sua força ou não são mais necessárias. O jardineiro é, por natureza, poiético, tem a capacidade de criar, é sensível ao jardim, está atendo às suas necessidades e linguagens; é, em essência, cuidadoso.
O desafio é este: resgatar em nós e nas nossas organizações a nossa vocação para a jardinagem. Mais que isso, sustentar essa vocação para continuar cuidando do jardim de todos e para todos: a nossa cidade, o nosso pais, o cosmos.
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