Novos Ensaio, Livro III As palavras(capitulos 10-11)
(LEIBNIZ)
CAPÍTULO X
O abuso das palavras.
Além das imperfeições naturais da linguagem, existem imperfeições voluntárias, provenientes da nossa negligencia, e servir-se tão mal das palavras equivale a abusar delas.
O primeiro abuso, e mais visível, consiste em não atribuirmos idéias claras às palavras. Quanto a essas palavras, existem duas classes: algumas delas nunca tiveram idéia determinada, nem na sua origem nem no seu uso comum. Todavia, são caracteres distintivos na boca das pessoas de partido.
Existem outras palavras que, no seu uso original e comum, possuem alguma idéia clara, mas foram depois apropriadas a matéria muito importantes sem lhes atribuir nenhuma idéia certa.
Não quero examinar agora se haveria algo a dizer acerca das definições, antes quero ressaltar os abusos das palavras.
Primeiramente, aprendemos as palavras antes das idéias que lhes competem, servindo-se de expressões diferentes para revelar aos outros o que querem dizer.
Em segundo lugar, o emprego das palavras é por vezes inconstantes, o que acontece com demasiada freqüência entre os sábios. Todavia, trata-se de um engano manifesto, e, se for voluntário, é loucura ou malícia. Se alguém fizesse isto em suas contas(tomando, por exemplo, um X por um V), quem queria ter relações comerciais com ele? Visto que este abuso é tão comum, não somente entre os sábios, mas também no grande público, crio ser o mau hábito e a inadvertência que o levam a cometer, e não tanto a malícia.
O terceiro abuso consiste numa obscuridade afetada, seja conferindo aos termos significações inusitadas, seja introduzindo termos novos sem explicá-los.
O quarto abuso consiste em tomar as palavras pelas coisas, isto é, acredita-se que os termos respondem à essência real das substancias. Quem é que, havendo sido educado na filosofia peripatética, não imagina que os termos que significam os predicamentos concordam exatamente com a natureza das coisas?
O quinto abuso consiste em colocar as palavras em lugar das coisas que elas significam, nem podem significar de forma alguma.
O sexto abuso, geral mas pouco advertido, consiste no fato das pessoas, tendo atribuído certas idéias a certas palavras devido a um longo uso, imaginam que esta conexão é evidente, e que todo mundo concorda nisto.
O sétimo e ultimo abuso, que é o dos termos figurados ou das alusões. Contudo, sente-se dificuldade em considerá-lo como abuso, pois aquilo que denominamos espírito e imaginação é melhor recebido que a verdade nua e crua. Isto vai bem nos discursos, onde só se procura agradar, porém no fundo, excetuando-se a ordem e a limpidez, toda a arte da retórica, todas essas aplicações artificiais e figuradas das palavras só servem para insinuar idéias falsas, excitar as paixões e seduzir o julgamento, de maneira que não passam de puras fraudes.
CAPÍTULO XI
Os remédios que se podem aplicar contra as imperfeições e os abusos de que se acaba de falar.
Seria ridículo tentar a reforma das línguas, querer obrigar os homens a só falarem na medida dos seus conhecimentos. Todavia, não é demais pretender que os filósofos falem com exatidão, ao tratar-se de uma pesquisa séria acerca da verdade: sem isto, tudo estará cheio de erros, teimosias e discussões vãs.
O primeiro remédio consiste em não empregar nenhuma palavra sem atribuir-lhe uma idéia, ao passo que se usam muitas vezes palavras como instinto, simpatia, antipatia sem dar-lhes sentido algum.
O segundo remédio consiste em que as idéias dos nomes dos modos sejam pelo menos determinadas e, que as idéias dos nomes das substancias sejam mais conformes ao que existe.
O terceiro remédio consiste em empregar termos conforme o uso recebido, na medida em que tal é possível.
O quarto remédio consiste em declarar em que sentido tomamos as palavras, seja que se cunhem termos novos, seja que se empreguem termos velhos em sentido novos, seja que se acredite que o uso não fixou suficientemente a sua significação.
Quanto à descrição das espécies, é justamente a historia natural, e nisto trabalha-se pouco a pouco. Se não tivesse havido as guerras(que perturbaram a Europa desde as primeiras fundações das Sociedades ou Academias Reais) estaríamos longe e poderíamos já estar tirando proveito dos nossos trabalhos. Contudo, os grandes, em sua maioria, não conhecem a importância disto nem sabem de que bens se privam ao descuidarem do avanço dos conhecimentos sólidos. Além disso, em geral são excessivamente perturbados pelos prazeres da paz ou pelas preocupações da guerra para avaliarem as coisas que não os atin’’gem de imediato.
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