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A porta secreta
(Miroslav Acimovic)

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Relato da obsessão de um homem em adquirir um túmulo num cemitério, embora não esteja condenado à morte, nem tampouco doente. A narrativa, estranha e cifrada, parece se apoiar em aforismos como este, perpetrado por uma das personagens, uma velhinha: "Quando abrimos o livro da vida, também abrimos o dos funerais. O lápis faz um só traço".
Numa época indefinida, mas seguramente futura, o propósito do personagem é, ao morrer, ser sepultado em vez de cremado, hábito então em voga. O negócio, no entanto, se concretiza clandestinamente, depois de muitas semanas de um interminável diálogo, pretensamente filosófico, acerca da vida e da morte entre o pretendente ao túmulo, a um lugar decente no cemitério, e o escuso e enigmático agente funerário, de nome Ernest. Ao mesmo tempo a vida conjugal do narrador se deteriora, e ele sente, aos poucos, fugir por entre seus dedos o respeitoso relacionamento que mantém com a esposa.
Misto de diálogo platônico com a exótica tradição narrativa do leste europeu, de contundentes e precisos mestres do humor negro, como os tchecos Franz Kafka e Karel Tchápek, os húngaros Dezsö Kosztolányi, István Örkény e Sándor Márai, e o romeno Ion Lucas Caragiale, a novela A porta secreta se revela também uma insólita e inesperada trama policial: um assassinato involuntário e sem sangue. Ao adquirir pouco a pouco, mediante extensas conversas com o desconhecido Ernest, o túmulo que jamais irá ocupar, o narrador como que pratica uma espécie de ato vodu contra a esposa, que adoece e morre, indo ocupar o lugar que o marido reservara para si próprio. Um crime sideral, portanto, e talvez metafísico, arquitetado sob o disfarce da indiferença e do acaso.
As últimas páginas, embora aparentemente despretensiosas, reservam nova surpresa ao leitor, e me perdoem se a revelo: o narrador, tão logo perde a esposa e a sepulta, incapaz talvez de esquecer Ernest, com quem conviveu durante muitas semanas, torna-se o simulacro deste, exercendo-lhe de igual modo a melancólica profissão de atender aos desesperados por um lugar no cemitério e lhes conseguir um leito cômodo sob a terra, pátria primeira do homem e assim exaltada por Ernest: "Quando nos confundimos com a natureza, não precisamos de nada mais que nosso corpo nu".
Há influências visíveis de Kafka, de Borges, um pouco também de Cortázar e do injustamente esquecido Dino Buzzati; diria ainda que do instigante Boris Vian, autor de A espuma dos dias, com uma única edição no Brasil (Nova Fronteira, 1984) e, certamente, mal-lido por nossa crítica. Mas o que há de fato é uma renovação, em alto grau, da estranheza que encerra e singulariza, desde sempre, toda e qualquer narrativa nascida no solo deste hipotético reduto a leste da Europa e que se abre após a linha imaginária que, cortando verticalmente o continente, divide-o em duas metades desiguais: a primeira, ocidental, que raciocina; e a segunda, oriental, que cria.
Desta última nos chega esta preciosa fábula moderna que é A porta secreta, composta de estranhas vidas: um coveiro misterioso e loquaz, metido a filósofo, que diz: "Os anos passam e, no fim, somos migalhas que o vento dispersará"; um homem obstinado em ser enterrado em vez de cremado e uma mulher que, quase ausente da trama, acaba se tornando a única vítima da mesma, através de um absurdo e improvável ato vodu, concretizado pela fugidia sugestão do pensamento e das palavras.
Nenhum marido jamais "se privou" assim com tanta sutileza da esposa. É evidente que ele não a matou, mas é evidente também que algo a matou: algo minou sua saúde e a despejou, sem vida, naquele túmulo reservado com tanta antecedência e desejado com tanto ardor por seu companheiro. É como se um possesso ser supremo, criador de tudo, e de tudo vigilante, proferisse, fora de si, ao mesmo tempo em atenção ao apelo do protagonista e desejoso de puni-lo: – Que assim seja! – e lhe lançasse sobre o ser amado e vulnerável mais próximo um anátema.
Logo no início há uma fala de Ernest que parece corroborar tal suposição: "não podemos decidir quem partirá e quando, quem permanecerá e até quando". No entanto, como disse o escritor norte-americano Stanley Elkin: "Quem é que não está morto?"



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