Pluralismo cultural em políticas de currículo nacional
(LOPES; A. R. C)
Nesse artigo, a autora tem o objetivo de “analisar a perspectiva de pluralismo cultural presente na versão definitiva da proposta brasileira dos PCN de 1ª a 4ª série, mais especificamente expressa no documento sobre o tema transversal pluralismo cultural”. Para isso, faz uma introdução apresentando e discutindo o problema das contradições existentes no documento brasileiro, o qual foi fundamentado na Lei Geral de Ordenação do Sistema Educativo da Espanha. Alguns trechos dos PCN são citados no sentido de demonstrar a tensão existente entre o “diverso e a busca pelo padrão comum”.
As ações desenvolvidas pela ONU em favor da tolerância como fator essencial para o estabelecimento da paz mundial, influenciam as reformas curriculares no caminho do respeito às diversidades culturais. Ações que favoreçam a aceitação do bilingüismo, ampliação do acesso à informação internacionais de defesa dos direitos humanos, desenvolvimento do ensino de História e Literatura iluminam a análise sobre a multiplicidade e a diversidade cultural no mundo. Aqui a autora levanta algumas questões importantes: como organizar a educação diante da tensão entre o universal e o singular, respeitando o pluralismo? Como ensinar democracia em vista dos inúmeros conflitos mundiais causados por divergências étnicas e religiosas? Para ela, “o trabalho com contextos multiculturais, o entendimento, o respeito e o diálogo entre culturas” são formas de educação que podem contribuir para o combate à xenofobia, aos conflitos sociais e à violência.
Nesse texto, Lopes pretende sustentar que a proposta de pluralismo cultural limita-se à diversidade étnica e objetiva a construção de um contexto de consenso. As duas partes que se seguem no artigo trazem uma análise do conceito de pluralismo cultural como pluralidade de razões constitutivas dos processos culturais e uma interpretação do conceito de pluralidade cultural nos PCN.
Pluralismo cultural como pluralidade de razões
Lopes compreende o pluralismo cultural como pluralismo de racionalidades e remete à análise do modelo de razão ocidental, utilizado tradicionalmente para analisar o conhecimento e a cultura. A autora confronta esse modelo – que privilegia a racionalidade experimental, a prova analítica, matemática – com outras formas de racionalidade igualmente legítimas e que não se restringem à evidência a ao cálculo e privilegiem o singular, o contingente, o histórico e o axiológico. Mas defender o pluralismo e as rupturas é uma atitude política. “O pluralismo cultural significa a dessacralização e a humanização da cultura”.
A autora chama a atenção para o fato de que o pluralismo não deve ser igualado ao relativismo nem deve significar defesa à irracionalidade. Ela defende a existência de outras racionalidades, “para além do campo da demonstração e da evidência empírica, uma racionalidade do provável e do provisório, sem abandonar a razão, diminuindo o espaço conferido ao irracional”. Salienta ainda que a “interpretação de pluralismo cultural como pluralidade de razões permite que se compreenda a cultura como um campo de múltiplas e diversas culturas, constituídas por múltiplas racionalidades em constante embate e conflito”.
Pluralidade cultural no documento dos PCN
Os PCN trazem a pluralidade cultural como tema transversal. Ao analisar o documento, Lopes verifica que ele valoriza os saberes locais na medida em que sejam ponto de partida para a assimilação do patrimônio cultural da humanidade, mas trata as diferenças culturais como diferenças psicológicas, desconsiderando os aspectos sociológicos. Sendo assim, os PCN procuram homogeneizar, garantir uma eqüidade social e mascaram as desigualdades econômicas, sociais e culturais das crianças. O tema pluralidade cultural “é justificado por se considerar que a vida democrática exige o respeito às diferenças culturais” e apesar de os PCN fazerem referências às diferenças de gênero e aos deficientes, o enfoque central é nas características étnicas, o que entra em desacordo com o próprio objetivo dos PCN, que visam posicionar-se também contra discriminações baseadas em diferenças de classe social, crenças, sexo e outras características individuais e sociais.
A autora identifica também outro aspecto sugestivo do documento: a ausência de referências ao ensino de ciências como campo de desenvolvimento da noção de pluralidade cultural. As ciências físicas e biológicas são mencionadas somente por associação à saúde. Lopes coloca questões importantes: “Que visão subsidiará professores e professoras na análise das relações entre mito e ciência? Em que contexto serão discutidas as visões de mundo e natureza de outras etnias?” A conclusão da autora é que a ausência dessas perspectivas dos PCN favorece a aquisição de uma visão continuista e não-plural da ciência.
Concluindo o artigo, Lopes identifica nos PCN “uma aparente contradição entre homogeneização e diversidade, entre a perspectiva de organizar um padrão comum e a perspectiva de valorizar a pluralidade cultural”. O documento remete a um multiculturalismo conservador e a uma postura assimilacionista.
A possibilidade de organização de um currículo capaz de incorporar o pluralismo cultural demanda um contexto democrático de decisões sobre os conteúdos de ensino. Mais do que um tema transversal, a pluralidade cultural precisa constituir um princípio de atuação política no campo educacional.
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Texto: LOPES, A. R. C. Pluralismo cultural em políticas de currículo nacional. In: MOREIRA, A. F.B. (org.). Currículo: políticas e práticas. Campinas: Papirus, 1999.
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