Fogo!!!! Poder de fogo...
Maria Vitória Ramos[1]
Eu gosto do ícone que define o programa de gravador de CD do meu computador. É o Nero. Uma chama. Uma tocha. Nero, o Imperador Romano foi um déspota. Em recente estudo, Gerhard Baudy, professor de História na Universidade de Konstanz na Alemanha, sustenta a inocência de Nero e diz que as chamas que incendiaram Roma surgiram das mãos dos revoltosos que sonhavam com a queda do Império. Há ainda outros que defendem a idéia de que o incêndio aconteceu em conseqüências das altas temperaturas estivais e dos fortes ventos. A verdade, é que Roma foi incendiada. Bem antes do fogo! Nero, amante da retórica, da gramática e meio louco, defensor de ousada reforma fiscal e orgias extravagantes, acabou por incutir na cidade um cheiro de fogo. Foi um líder. Execrável, mas foi. E ficou na história. Sabia ser incandescente no sentido das idéias. Totalmente avariado emocionalmente, suicidou-se proclamando que o mundo perdia um grande artista...
Riscar fósforos era uma arte proibida para as crianças de minha época. Ascender isqueiros, fazer faíscas com o atrito de duas pedras, alimentar a “binga”, as candeias, as lamparinas, queimar folhas velhas, velas... isso tudo encantava-me. Exatamente por ser proibido. Só gente grande podia. Mas o fazíamos sempre que possível, às escondidas.Para o desespero da Mãe...Eu viajava nas labaredas do fogo do fogão de lenha. Perdia-me nos pensamentos, enquanto a mãe fazia o café para eu sair para a escola, ainda com o escuro... O almoço do Pai que ia para a cidade levar leite, também era feito de manhazinha, e eu comia as batatas fritas que ela fazia de mistura pra ele, com café... Ela me dizia que não se comia batata frita de manhã com café. Mas eu comia assim mesmo, olhando para o fogo, sem nem prestar atenção no que dizia. Eu pensava que quem faz fogo, pode muito. Admirava a mãe porque ela era capaz de fazer fogo. Ela tinha poder de fazer fogo.Á noite, a gente se abeirava do fogão. Era aconchegante. Conforme a lenha, o fogo mudava de cor, e hipnotizava a gente. Às vezes colocava um graveto e ele também virava fogo. O Pai anunciava que gente “que brinca com fogo, faz xixi na cama!” Mas comigo, o encanto era tanto que eu me esquecia de tudo. Até do xixi! Dormia e sonhava com fogo. Eu me transformava e ficava imune ao fogo, misturava-me às labaredas. Acordava suando e jogava as cobertas. Mas ficava esperando com ansiedade à noite para brincar com fogo, dormir, e sonhar que era fogo...
Hoje acredito que as agremiações político/partidária com intuito apenas de alcançar o poder é um desastre. É fogo desordenado. Sem controle. Quase igual ao incêndio de Roma. Síndrome de Nero. Paroxia. Mas acredito ainda nas agremiações político/partidárias que permanecem dentro do seu eixo de conduta, de fidelidade e propostas de cuidado maior com uma causa. É fogo que acalma. Que encanta e faz esquecer as dores. Na mitologia grega, a Pira, era uma fogueira para queimar os restos cadavéricos. Um ato de alívio. De relaxamento. No programa de gravação do “kurumim” gravar, é “queimar”! O tempo foi me mostrando que todos nós temos algo de incendiário em nossos anseios. Somos capazes de atear fogo com o olhar. O toque das mãos pode ser quente. O brilho dos olhos pode ser um convite. Os gestos podem iluminar e espalhar fogo. Fogo é poder. E a gente pode se transformar em fogo. Incendiar. Virar tocha. Gravar. Queimar. Ficar por toda a vida.
A dicotomia do fogo continua a me encantar. Pode fazer muito bem... Pode fazer muito mal...
[1] Professora de História – Licenciada pelo Instituto Superior de Educação - UNIFOR- Formiga –MG
[email protected]