A Vontade do Falecido
(Stanislaw Ponte Preta)
Seu Irineu Boaventura não era tão bem-aventurado assim. Tinha lá um dinheirinho que guardava embaixo do colchão. Não gostava de bancos, nem comprava um terreno, porque seu sobrinho Altamirando se instalaria nele sem a menor cerimônia. Assim, a erva dele era verdinha.Só que andava com aquele jeito cadavérico que a vizinhança achou que já ia morrer. Até o apelidaram de "Pé-na-Cova".A família na ânsia de herdar o dinheiro dele. Mas ninguém comentava. Só Altamirando, mais mau-caráter que o resto da família, depois de uma tosse do tio, lhe perguntou:- Titio, quando o senhor se for, pra quem vai ficar seu dinheiro?O velho mudou de cor, de raiva, e respondeu:- Na hora você vai saber, seu cretino!Só que, dia depois, ele morreu.- Bota titio na sala de visita - aconselhou Altamirando. - Botaram ele na sala.Chegaram parentes de longe, todos interessados no dinheiro do morto.Antes do enterro, contaram o dinheiro, sessenta milhões de cruzeiros intactos.- O velho tinha menos dinheiro do que eu pensava - disse bem alto o sobrinho. E acrescentou: - Vai ver que gastou com mulher.Se gastou ou não, ninguém soube. O que soube é de uma carta que o falecido deixou, registrada em cartório e tudo. Nela ele dizia que quando morresse o dinheiro seria enterrado com ele. Não deixaria o que ganhou com o suor do rosto a parente vagabundo nenhum.A parentada chorou. Mas ninguém ousou desfazer a vontade do falecido. Na hora de colocar o dinheiro no caixão, então, a choradeira aumentou.Só que, antes de fechar o caixão, Altamirando gritou:- Pera aí!Tirou os sessenta milhões de dentro. Fez um cheque do mesmo valor e o colocou no caixão.- Se titio precisar mais tarde do dinheiro, desconta no banco - disse Altamirando.(Stanislaw Ponte Preta, Dois amigos e um chato, Editora Moderna, 1986.)
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