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Conto inacabado
(Rodriguez)

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R. era um homem bom. Vivia junto das escórias e das maldades que toldam a cidade de cinzento, cidade onde ainda há praças resplandecentes circuladas por transeuntes bonitos. Às vezes, sorria de vontade, quando um passeante lhe oferecia um centavo que podia trocar por um bom banho nos balneários municipais. Mas era soturno. Era mesmo nocturno o seu modo. R. era um homem infeliz. Vivia numa cidade escura, habitada por pessoas frias, em geral. R. era um marginal. Quando chegou a St. Carles, era o tempo da idade cristã de 1974, Novembro e a luz sentia-se cansada, R. respirou fundo e enfrentou a brisa com sonhos no bolso da camisa. Queria ser um triunfante na grande cidade, conquistar multidões com a sua graça levemente melancólica. Circulou então pelas veias fartas que dividiam o casario, à procura de um bom banco de café onde pudesse tomar o seu cálice de Porto. Vinham-lhe à memória saudades e reflexões sobre a existência, e escrevia num guardanapo de papel rabiscos de lágrimas. Lágrimas ainda não infelizes, porque tinha a esperança. Tinha a lembrança do que estava para vir. Sempre à deriva pelas ondas citadinas, R. curvou St. Carles durante o tempo suficiente para perceber que aquele não era o seu poiso. Sentindo os primeiros sinais de impaciência, achou que aquela cidade não o merecia. Era ingrata e falha de luz brilhante. Prendia-o todavia com aquele magnetismo que torna a essência humana numa charada indecifrável, ultrapassando toda a lógica. R. estava condenado. Entrou uma noite num bar underground procurando luz ao fundo do dia inútil. Era um romântico e esperava um dia encontrar o amor num daqueles antros onde a cerveja e a vodka barata escorrem por gargantas ásperas e suicidas. Não encontrou nada. O ambiente estava gasto, como sempre. Pediu um Whisky a um tal de JB. O empregado do balcão tinha nome de whisky, que bizarro. Era um daqueles desleixados da vida que não fazem outra coisa senão dormir de dia e vaguear à noite depois do trabalho. Olhou R. de soslaio, como quem olha o seu reflexo num espelho baço. Hesitou antes de perguntar se queria “on the rocks”. Uma pedra. O gelo em excesso torna o whisky numa bebida sem qualquer significado. É uma espécie de bebida de homem para rapazes sem barba. R. falou ao empregado, porque procurava no fundo alguém a quem pudesse dizer duas ou três palavras docemente amarguradas. Sentia a falta do seu grande amigo partido para longe. Procurou uma conversa sobre a música dos anos 90 ou o cinema da Nouvelle vague. No passado, isso servia para impressionar as mulheres, hoje era uma necessidade desleixada. Uma espécie de forma de se sentir vivo e de bem com a sua consciência. A arte sempre fora companheira das horas negras e tortuosas. Ouvia melodias em forma de um peito doente e de um cérebro adormecido. Lia frases de uma beleza corrupta. Riscava versos sentidos de um gosto duvidoso. E olhava as cores do crepúsculo, sempre moribundas. Por vezes, extenuado adormecia ao som do nada, porque afinal eram ocos aqueles sons. Os artistas da música acham que fazem sempre melodias com significados visionários. Acham. Fazem sim tradução de sentimentos e vaidades. Nada é perfeito.



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