Um copo de cólera
(Raduan Nassar)
Escrita em apenas 15 dias, no ano de 1978, Um copo de cólera é a novela essencial da literatura moderna e contemporânea. Novela também publicada em livro, cujo foco narrativo é o fluxo de consciência (quem quiser ler Um copo de cólera precisa sentar poucas horas para degustar toda a narrativa), diz nas palavras do escritor: Disse que escrevi a narrativa em quinze dias, mas esses quinze dias foram só o tempo de descarga. É que a novela deveria estar em estado de latência na cabeça, e sabe-se lá quanto tempo levou se carregando, ou se nutrindo - de coisas amenas, está claro – e se organizando em certos níveis, até que aflorasse à consciência". Mais uma vez, a exemplo de Lavoura Arcaica, a carga ideológica opositiva entre amantes – neste caso – marca e dá consistência à obra de Raduan Nassar. Aqui, não mais um filho adolescente descobrindo a delinqüência corporal e moral da existência, e sim um adulto, calção, machucado pelos reversos do tempo. Seria talvez esse adulto o adolescente que fora André em Lavoura Arcaica? Muito se indaga a esse respeito, mas evidências ainda estão por vir à tona para corroborar a questão. Mas semelhanças, de fato, existem. Na contramão do discurso ideológico do adulto está sua amante, afeita às causas sociais, e aos discursos cristalizados da modernidade em geral, lutando para imprimir seu verbo atente, e vice-versa. O estopim do “esporro" entre os dois se dá num dia aparentemente calmo, após uma convulsiva noite de sexo, por sinal um pouco fria, sem diálogo, rotineiro, ao se encontrarem na mesa do café, num silêncio constrangedor, pela manhã. O que tira a ordem do dia é justamente um bando de formigas que estraga a cerca viva que ele havia feito no quintal. Aí acontece que o impulso voraz com que se envolve com o acontecido provoca na amante indignação suficiente para indagar a respeito do desvario. Daí se cria o terreno propício para o verbo escandalizado vir à tona. Ele se enlouquece com a organização ordeira das formigas, transportando todo esse furor à amante que, não menos desvairada, enfrenta a discussão armada com alfinetes politizados: "Só um idiota recusaria a precariedade sob controle, sem esquecer que no rolo da vida não interessam os motivos de cada um - essa questãozinha que vive te fundindo a cuca - o que conta mesmo é mandar a bola pra frente, se empurra também a história co'a mão amiga dos assassinos; aliás teus altíssimos níveis de aspiração, tuas veleidades tolas de perfeccionista tinham mesmo de dar nisso: no papo autoritário dum reles iconoclasta - o duma classe agônica. .. sai de mim, carcaça". A cólera a que remete o título da novela corresponde ao fluxo verbal que toma conta das personagens nesse momento de fúria, onde razão e emoção não mais se dissociam, e tornam-se, sobretudo, uma massa amorfa que tem como alvo a destruição do outro, ou ainda, a autodestruição. Como resultado do embate, restam, nas almas desgastadas, um barulhento silêncio e um abarrotado vazio.O autor de um copo de cólera. Raduan Nassar (Pindorama, 27 de novembro de 1935) é um escritor brasileiro, filho de imigrantes libaneses. Na adolescência, foi para São Paulo com a família, onde cursou Direito e Filosofia na Universidade de São Paulo. Estreou na literatura no ano de 1975, com o romance Lavoura Arcaica. Em 1978 foi publicada a novela Um copo de cólera, que fora escrita em 1970. Em 1997 foi publicada a obra Menina a caminho, reunindo seus contos dos anos 60 e 70. Com apenas três romances publicados é considerado pela crítica como um grande escritor e comparado a nomes consagrados da literatura brasileira, como Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Tudo isso graças à extraordinária qualidade de sua linguagem e força poética da sua prosa. Cultuado por um pequeno círculo de leitores, Raduan se tornou mais conhecido pelo público em geral com as versões cinematográficas de Um copo de cólera e Lavoura arcaica. Após a sua estréia na literatura, Nassar deixou de escrever em 1984, e vive hoje em um sítio em sua cidade natal.
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