Sobre crimes e criminosos
(Renato Prata Biar)
Escreva seu resumo aqui.. Sobre crimes e criminosos Toda
vez que se discute sobre criminalidade, principalmente sobre os crimes
relacionados contra a propriedade privada (roubos, latrocínios,
seqüestros, etc.), coloca-se como base para a pauta dessas discussões
dois itens que são praticamente obrigatórios: o aumento do policiamento
ostensivo e o endurecimento das penas aplicadas nesses tipos de crimes.
Questões sociais e de críticas ao status quo são rapidamente
intituladas de demagogia e descartadas como algo ineficaz. Porém,
quando os crimes estão relacionados com desvios de verbas públicas
(veja que até o termo muda; não é mais roubo, mas sim desvio),
corrupção, lavagem de dinheiro, licitações fraudadas, obras
superfaturadas, etc., a situação muda instantaneamente de figura e a
prosa muda de rumo. Nesses casos, os baluartes da justiça se resignam a
pedir apenas a cassação de um mandato, no caso de um homem público, ou
uma multa “pesada” e até mesmo o fechamento de uma empresa, no caso de
um ilustre empresário. Sendo que no primeiro caso o sujeito se elege
novamente na próxima eleição, e no segundo caso ele abre outra empresa
com outro nome e pronto, já “pagou” pelo seu crime. Essa estratégia de
dividir os crimes de acordo com os interesses da classe dominante fica
ainda mais clara nesse trecho do livro, Vigiar e Punir (M. Foucault): “A
prostituição patente, o furto material direto, o roubo, o assassinato,
o banditismo para as classes inferiores; enquanto que os esbulhos
hábeis, o roubo indireto e refinado, a exploração bem feita do gado
humano, as traições de alta tática, as espertezas transcendentes, enfim
todos os vícios e crimes realmente lucrativos e elegantes, em que a lei
está alta demais para atingi-los, se mantêm monopólio das classes
superiores.” E conclui: “Não
há então natureza criminosa, mas jogos de força que, segundo a classe a
que pertencem os indivíduos, os conduzirão ao poder ou à prisão.” Por
isso que os crimes cometidos por uma elite financeira e política,
embora sejam crimes que atingem a maioria da população de forma grave e
muitas vezes fatal têm, além de uma pena mais branda, diversas
alternativas para se pagar por esses crimes, nas raras vezes em que há
efetivamente uma condenação. Pessoas que morrem na porta dos hospitais
por falta de atendimento ou medicamentos básicos, por exemplo, são
denominados como casos de má administração pública. Quando na verdade
deveriam ser considerados como crimes hediondos; já que a quantidade de
pessoas que são diretamente afetadas e vitimadas por esses atos
criminosos é infinitamente maior e mais grave do que no caso de um
assalto na esquina. Um
caso atual e que ilustra muito bem tudo isso é a epidemia de dengue que
se alastra pelo Brasil, mas que tem suas piores conseqüências no Rio de
Janeiro. Centenas de pessoas, sendo a maioria crianças, estão morrendo
há dias na porta dos hospitais porque não têm médicos e nem remédios
suficientes para enfrentar uma situação que já se anunciava há muito
tempo atrás. E ainda somos obrigados a ouvir o “ilustre” prefeito César
Maia dizer que não tem verba para investir nos hospitais. Mesmo
sabendo-se que ele mantém uma obra na Barra da Tijuca, a Cidade da
Música Roberto Marinho (só por ter escolhido esse nome o prefeito já
merecia, no mínimo, uma pena de prisão perpétua) que, embora já tenha
ultrapassado em mais de cinco vezes o orçamento inicial (a obra foi
orçada em R$80 milhões, e já custou até agora R$ 460 milhões) continua
recebendo dinheiro sem parar. Quem sabe os espetáculos de música
clássica e ópera que irão ocorrer ali, não ajudem a espantar os
mosquitos e curar os doentes. A
certeza da cumplicidade da Lei, de suas inversões de valores e da
garantia da impunidade, já que políticas como essas não são
criminalizadas, mas sim tratadas com eufemismos para ajudar a
naturalizar uma ordem que de natural não tem absolutamente nada,
comprovam apenas o engodo que é a tão celebrada democracia
representativa. Como muito bem afirmava o filósofo iluminista, Diderot
(1713 – 1784): “Examinem
todas as instituições políticas, civis e religiosas; ou muito me engano
ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado, a cada século mais
submetido ao jugo de um punhado de meliantes.” E recomendava: “Desconfiem de todo aquele que quer impor a ordem” Se
a ordem vigente não serve para a maioria, então a maioria deve
levantar-se contra essa ordem, deslegitimando-a e desobedecendo-a até
que toda a sua estrutura esteja no chão, completamente inócua,
desmoralizada e destruída. Porém, sabemos que não é fácil mudar a ordem
das coisas, ainda mais quando essa ordem tem, como principal estrutura
e estratégia, o monopólio e o uso da violência que se realiza através
do Estado. Exemplos históricos de movimentos populares e tentativas de
mudanças que vieram de baixo para cima, e que foram esmagadas com a
mais brutal violência pela elite dominante, através do uso do poder
estatal, é o que não falta no Brasil. Aqui, lutar pela sobrevivência é
crime. Entretanto, o ideal seria que, para que alguém fosse considerado
criminoso, antes de qualquer coisa seria necessário que esse alguém não
tivesse a necessidade de cometer aquele determinado crime. Ou seja,
para que alguém não roube, ele precisa ter condições materiais
suficientes para que esse crime não lhe seja necessário e nem
conveniente. Mas aquele que não precisa e mesmo assim comete crimes,
esse deve ser julgado com a maior severidade possível. Mas aqui no
Brasil, já está bem claro que, quem mais rouba são aqueles que menos
precisam. Portanto, nós já sabemos quem são os criminosos a serem
enjaulados e execrados devido à sua alta periculosidade.
Definitivamente, não são pessoas dignas e nem confiáveis para que
possam viver em sociedade. Renato Prata Biar; historiador; Rio de Janeiro
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