Fernão de Magalhães, Parte II
(Fernando Correa da Silva; Adaptado por Mauricio Figueiredo)
A Amizade de dois Conquistadores
Serrão sofre de uma súbita nostalgia ao pensar no amigo Fernão de Magalhães.
Lembra-se deste homem duro, inflexível, reservado, de gestos e decisões certeiras, agindo
sempre sem alardes e de maneiras comedidas. Fidalgo menor, mas com direito a brasão e à
freqüência do Paço Imperial, foi ele um dos quinhentos homens que em 25 de março de 1505,
juraram fidelidade à fé de Cristo e ao Rei de Portugal antes de embarcarem na esquadra com
que D. Francisco de Albuquerque iria conquistar o império do oriente, o fabuloso mercado de
sedas, pedrarias e especiarias. Nesta época Fernão de Magalhães tinha 24 anos. Embarcou
como um soldado anônimo, que manejava a espada, recolhia as velas em caso de tufão,
levantava fortificações e carregava nas costas as preciosas mercadorias. Foi ainda um
anônimo vencedor da Batalha Naval de Cananor, que deu aos portugueses uma das chaves de
todo o comércio no Oriente, interrompendo assim as longas caravanas de especiarias, que iam
através do Egito, rumo a Veneza. O sultão do Egito chegou a ameaçar o Papa com a
destruição do Santo Sepulcro, mas o centro da Europa deslocara-se irremediavelmente para
Lisboa. As especiarias, ansiadas e indispensáveis, contornam agora o Cabo da Boa Esperança
sob a bandeira de D. Manuel, para serem descarregadas nos cais do Tejo. Faltava ainda
porém à coroa lusitana uma pérola preciosa para lhe dar maior brilho e poder: Malaca, a cidade
estratégica por onde era obrigatória a passagem de todos os cargueiros de especiarias.
Em 1509, uma pequena frota parte de Lisboa e chega à Índia, o comandante era Lopes
Sequeira, o objetivo era Malaca. Em um dos quatro navios estão dois amigos: Francisco Serrão
e Fernão de Magalhães, que estava em Lisboa desde 1507 se recuperando dos ferimentos
recebidos na Batalha de Cananor. Em 19 de agosto partem de Cochim e a 11 de setembro
aproximam-se de Malaca, que admiram maravilhados. Estão chegando a um enorme porto,
com centenas de velas de todas as procedências, falando palavras de centenas de línguas
estranhas e incompreensíveis, cargueiros com especiarias das Molucas, juncos com porcelana
chinesa, paraús com rubis e marfim do Ceilão, pimenta de Malabar, escravos de Bornéo,
caxemira de Bengala, além de centenas de comandantes de pele amarela, bronzeada ou
escura que pagavam tributo ao sultão de Malaca para atravessarem o estreito que recebera o
nome da fabulosa cidade.
Os portugueses ficam maravilhados, mas o sultão de Malaca sente a ameaça que se
aproxima. Ele sabe das lendas e notícias que correm acerca desses homens pálidos vindos do
Ocidente com uma sanguinária sede de conquista e poderio. Ele usa a tática de agir
cautelosamente, para poder matar a serpente ainda dentro do ovo.
O sultão dispensa aos portugueses a mais hospitaleira das acolhidas, oferece a Lopes
Sequeira quanta pimenta e cravo seus navios puderem carregar e deixa que seus marinheiros
vagueiem pela cidade, visitando as exóticas casas de chá, se extasiando nos prazeres do ópio
e das mulheres, entre sedas, leitos de marfim e sândalo do Timor.
Após alguns dias o sultão manda que os quatro navios se aproximem da praia para
receberem a carga preciosa. O comandante Lopes Sequeira fica a bordo enquanto os barcos
malaios cercam os quatro navios. Os indígenas trepam pelas enxárcias sob o pretexto de
auxiliarem no embarque das mercadorias e a cada instante seu número aumenta. Garcia de
Sousa, comandante de uma das quatro caravelas começa a ficar desconfiado e impaciente.
Tantos barcos, tantos indígenas subindo a bordo, não estarão apenas aguardando um sinal
para se lançarem ao ataque? Garcia de Sousa manda um homem de confiança ao navioalmirante,
um homem de confiança e decidido, incapaz de acovardar-se diante de uma
situação adversa e ameaçadora: Fernão de Magalhães. Este rema velozmente em direção ao
navio-almirante , sobe ao tombadilho e vai ao camarote do comandante que está calmamente
jogando uma partida de xadrez sob os olhares interessados de um grupo de malaios e
sussurra-lhe algumas palavras, já com as mãos no cabo da espada. Neste momento, uma
coluna de fumaça se ergue do palácio do sultão. Era o sinal. Lopes Sequeira salta e afasta os
malaios com algumas estocadas, ordenando em seguida a levantada das âncoras.
Os portugueses que estavam em terra logo estão cercados por uma horda ameaçadora
de indígenas, um a um vão caindo sob os golpes, correm para a praia, mas lá já os esperava
outro grupo, estão totalmente cercados. Ficam costas com costas e retalham a primeira fileira
de atacantes, mas para cada malaio tombado surgem dez em seu lugar. Subitamente ouvem o
primeiro tiro de canhão. Lopes Sequeira afundava os paraús que cercavam as caravelas. Uma
débil esperança levanta-lhes o ânimo, os companheiros não haviam sido surpreendidos a
bordo e se atingirem a praia conseguirão se salvar. Assim eles investem, de estoque em
punho.
Serrão rasga à sua volta um círculo sangrento e corre abrindo passagem num corredor
de pragas e corpos retalhados. É o único a atingir o mar e quando já achava-se perdido e sem
esperanças, vê surgir um único escaler, com um único tripulante, que se aproxima da praia. É
Fernão de Magalhães que acode em socorro do amigo.
Os olhos de Serrão enchem-se de lágrimas e mancham as primeiras linhas da carta.
Uma amizade férrea tornou-os desde então inseparáveis. Apenas o destino ou os interesses do
Rei poderiam afastá-los e é exatamente isto que acontece:
Resumos Relacionados
- Enfrentando O Escorbuto, Os Motins E A Fome.
- Perfume Do Oriente
- A Ferro E Fogo
- Fernão De Magalhães
- Martim Afonso De Sousa
|
|