Rio das Flores
(Miguel Sousa Tavares)
Na senda de Equador, Rio das Flores é, assumidamente, um romance histórico. Trata-se de uma prosa narrativa ficcional cuja acção decorre no passado. Miguel Sousa Tavares faz uso dos pormenores históricos com um esmero que imediatamente nos transporta à ambiência própria da época, que vai desde os tumultos da I República (1915), em Portugal, até 1945 quando o Estado Novo já se encontra consolidado neste país. Mas não foi só Portugal que passou pela experiência da implementação de regimes autoritários e ditatoriais, também a vizinha Espanha e o longínquo Brasil guardam da primeira metade do séc. XX, essa experiência de privação de liberdades essenciais, como o romance tão bem nos demonstra.Assim, a busca da liberdade, tanto a nível individual como a liberdade do próprio povo estão na génese da obra.No centro do enredo está a Herdade de Valmonte, lar da família Ribera Flores, comandados por Maria da Glória desde a morte do marido. Os filhos Pedro e Diogo têm uma paixão comum pela terra, factor que os une grandemente; separa-os, no entanto, uma perspectiva oposta da vida e do mundo. Pedro é um adepto da União Nacional que por amor aos seus ideais combate em Espanha a causa franquista definida pela unidade nacional espanhola, enquanto o seu irmão critica fortemente a opressão salazarista, apesar de ser um amante dos prazeres caros da vida e dos luxos que o dinheiro proporciona.É uma história que prende o leitor desde a primeira página pelas descrições apuradas e minuciosas e pela investigação histórica dedicada.Privilegiam-se questões como a sociedade e a liberdade fundamental do ser humano. O estilo jornalístico do autor contribui largamente para a facilidade de leitura que a obra apresenta.A partir da reconstituição deste período histórico é construída uma narrativa excepcional, que faz a ligação entre a realidade de uma família cujas regras são a realidade que se vive na época.Desde a conspiração republicana de 1927 para derrubar o Estado Novo, à descrição do perfil de António de Oliveira Salazar, passando pela Guerra Civil de Espanha, os detalhes da revolta comunista Luís Carlos Prestes no Brasil governado por Getúlio Vargas, toda a obra é uma homenagem de excepção à categoria de romance histórico.È um facto que o que assiste primeiramente na obra é o enredo e a história da família, mas a reconstrução de ambientes e acontecimentos históricos, a celebração de detalhes como a descrição das tarefas agrícolas da época em que o autor alcança surpreendente naturalidade, fazem desta obra um trabalho de excepção.Na minha opinião Rio da Flores, distancia-se do romance histórico tradicional, justamente porque embora se sirva da História, dá-nos dela uma outra visão, integra nela a alteridade, encontra outros heróis e privilegia outros aspectos que a História minimizou ou que viu de maneira diferente. Integra na verdade histórica elementos fictícios que podem alterar essa verdade, mas que não são postos em causa, porque na ficção nunca se coloca o problema da verdade ou da mentira.Outro aspecto que, sem dúvida se destaca, é a intemporalidade do tema, porque os mecanismos de controlo social utilizados pelo poder em Portugal durante a vigência do Estado Novo, continuam noutros tempos e noutros espaços e situações. Também o esforço de uma família que tenta manter-se unida pelo amor que se cultiva aos valores que vem de trás e voltar-se para novos valores e perspectivas é uma temática de qualquer época; as paixões, os confrontos, a busca da felicidade são temas de sempre, de todos os tempos, e que nos tocam a todos.
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