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Liberdade e Responsabilidade
(Julián Marías)

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Ao analisarmos a vida humana tal como ela é, explorada em nossa época,  quando realmente se estabelece uma perspectiva propriamente pessoal (transcendem-se as idéias naturais procedentes do estudo das coisas e se centra a visão na peculiaridade do que é humano), vê-se que o homem faz e tem coisas em sua vida, mas, em nenhum sentido, ele é coisa. Tem uma   dimensão corporal, natural, animal, mas, ele é perspectiva, é projeto, é missão. Tudo isto é de capital importância   para a abordagem do que venha a ser liberdade e responsabilidade. A vida, não a biológica, mas a biográfica, a vida propriamente humana, é dada a todos os homens, e é um dom.   Por ser   dada, ainda não está feita, cada um é que tem que fazer a sua. É um empreendimento, uma tarefa e nem sequer pode ser entendida como um mero desenvolvimento. Como se sabe, o homem tem poucos instintos enérgicos, mas, em contrapartida,  um imenso horizonte imaginativo, mental, isto é, tem que imaginar sua vida, descobrir   suas possibilidades, suas circunstâncias, suas dificuldades: projetar quem ele vai ser. Há uma diferença fundamental entre o que o homem é e quem é. Evidente que, o que a criança que nasce é, procede de seus pais, de seus antepassados e dos elementos que integram o cosmos: oxigênio, hidrogênio, nitrogênio, cálcio, etc. No entanto, quem é, não procede de nada, é absolutamente inderivável. Portanto, o menino que nasce, tem que viver num mundo, no qual está e não tem, evidentemente, um sistema de instintos que regule sua conduta. Tem que escolher o que pode fazer, decidir, optar entre muitas possibilidades   que tem diante de si e, assim, é livre. Acontece que o homem pode renunciar à sua liberdade em um ato livre, quando diz, por exemplo: "vou fazer o que os outros me dizem". Nesse caso, o indivíduo está decidindo livremente e executando também um ato de liberdade, por isso, a liberdade é irrenunciável. Há muitos graus de liberdade. O homem pode ter pouca liberdade porque está oprimido pelas circunstâncias ou porque uma circunstância está enormemente limitada, não ter recursos, viver numa situação na qual faltem as coisas mais importantes, estar oprimido por outras pessoas, viver numa situação política que não lhe permita exercer sua liberdade  em muitos aspectos, mas é livre. É livre, sim, a todo   momento, ainda que não possa realizar certos atos livres. Uma coisa é ter liberdade, e outra é ser livre. Pode-se ter a liberdade em redutos e, sempre há um. Ela é algo absolutamente constitutivo da vida humana, e traz consigo uma conseqüência: ser livre implica em ser responsável e, é   justamente na responsabilidade que se encontram   os postulados da razão prática. O homem responsável é sujeito a deveres, portanto, um ser livre, mas exercendo sua responsabilidade por isso. Se   ele não for livre, não tem sentido ser responsável. Todo indivíduo tem uma missão, tem algo a fazer e, por isso, pode orientar sua vida. E é aí, precisamente, que se estabelece a conexão com a noção de verdade: "a verdade vos fará livres", isto é, o reconhecimento, a aceitação e o enfrentamento da realidade tal como ela é, em seus conteúdos, é o que lhe põe em liberdade. São absolutamente inseparáveis as noções de liberdade e de responsabilidade. Há diversas formas de determinismo, mas as que têm obtido muito sucesso em nossa época são vinculadas ao econômico e ao social. Certamente, são ingredientes da vida humana na medida em que afetam a circunstância e não o eu, mas, o quem que sou eu. Concluindo, é importante ressaltar que, uma relação essencial com a verdadeira liberdade é aquela que nos permite ser livres,   que nos força, obriga-nos a ser livres, põe- nos em liberdade: é liberdade dos homens, uns diante dos outros, uns em relação aos outros, justamente enquanto são pessoas. Ocorre que essa liberdade pode ser abandonada; pode-se renunciar a ela, livremente, e, neste caso, há uma abdicação da condição propriamente humana. É o que acontece com o fanatismo, já que uma pessoa abdica de sua liberdade e decide agir tal como lhe é ditado. Esse que dita pode ser uma pessoa singular, um grupo, um slogan, uma raça, uma classe ou o que for. O fato é que o homem se funde nessa realidade alheia a ele e renuncia a ser ele mesmo, à sua autenticidade, uma anulação do que é propriamente humano. São pessoas que se comportam   não como pessoas, mas como coisas animadas. Isto é inadmissível, porque à vida humana é essencial a liberdade e, também, porque o homem pode chegar a um processo de desumanização, inumano, infra-humano e, assim,   pode haver uma renúncia da própria condição humana. É a forma radical de se alienar, o abandono de "si mesmo". Evidentemente, a condição humana não fica abolida, mas em suspenso, sufocada por uma pressão originariamente aceita, por um ato de liberdade. Por isso, o fanático é responsável, porque não pode ser eximido de responsabilidade por até agir assim, em um momento de alienação, mas é responsável, porque a aceitação do fanatismo foi livre. Produz-se, então, uma espécie de mecanização: o indivíduo já não atua propriamente a partir de si mesmo, mas, segundo impulsos recebidos e, freqüentemente, em massa. Tudo isto é suspensão da condição humana e, portanto, da liberdade, com uma aceitação prévia e, por isso, não se pode desconsiderar a responsabilidade do indivíduo ter aceitado a abolição de sua liberdade pessoal.



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