A liberdade humana em Kafka
(Mauro Dellal)
“- Bem – disse Gregor, muito convicto de ser o único que conservara a serenidade. – Bem, visto-me num instante, recolho o mostruário e saio de viagem. Permitir-me-eis que saia de viagem, não é? Eia, senhor gerente, já vê que não sou teimoso e que trabalho com gosto. Viajar é cansativo; mas eu não saberia viver sem viajar. Aonde vai, senhor gerente? À firma? Sim? Contará tudo como aconteceu? Alguém pode ter um instante de incapacidade para o trabalho; mas então é precisamente quando os chefes devem lembrar-se de quão útil ele tem sido, e pensar que, passado o impedimento, voltará a ser tanto mais ativo e trabalhará com maior zelo. Eu, como o senhor sabe muito bem, estou muito agradecido ao chefe.”
O texto acima, representativo do conto de Franz Kafka, Metamorfose, põe-se em paralelo com o texto “Diante da Lei”, do romance do mesmo autor, O processo. Em ambos, a questão da busca da liberdade, reconhecida aqui como a condição humana primordial para o caminho da sua completude, é tratada com diferentes metáforas.
Enquanto que em Metamorfose o autor se utiliza de uma imagem fictícia (a transformação de Gregor em inseto) para tornar palpável e atingível sua situação de prisioneiro de um sistema perverso, em Diante da Lei temos a caracterização dessa situação incômoda como um desafio a ser ultrapassado. Os textos têm um ponto de reflexão em comum: o doloroso caminho que leva ao ser livre; de arbítrio sincero e produtivo. Para Gregor, que odeia seu trabalho, o bem-estar de sua família está acima de qualquer sacrifício seu. E ela incorpora de tal forma essa condição de proteção que o filho provê, que acaba por se transformar na mais perfeita máquina opressora. Gregor está diante da lei (o gerente) e não tem coragem de enfrentá-lo, mesmo em sua nova e aterrorizante situação. Pouco importa a ele seu estado. Precisa trabalhar para que sua família viva feliz.
No texto de O Processo, o homem diante da lei é a todo momento desafiado pelo guarda. Também lhe falta a coragem para desafiar as normas da sociedade e encontrar-se perante sua liberdade. A metamorfose, nesse caso, se dá por vias naturais: o homem envelhece com o tempo; perde as faculdades, e a capacidade de seus sentidos diminuem. O cronológico é o fator temporal, a vida passada em branco. Quando o guarda lhe diz que aquela porta era só dele, Kafka estabelece a individualidade latente do ser humano, isto é, o caminho de cada um é feito de acordo com as necessidades e oportunidades de cada um, independentemente de um compromisso social que está na esfera do bom senso e não de uma obrigatoriedade pessoal.
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