Perfume DE MULHER
(Cassiano Ribeiro Santos)
Trata-se de uma aventura vivida pelo poeta Homero durante uma viagem à Ásia Menor. Segundo Heródoto, Homero costumava escrever poemas e encômios para reis e rainhas garantindo assim o custeio de suas viagens e pesquisas. Durante a sua estadia na Frígia, o emissário de uma rainha chamada Astréia lhe faz uma visita e encomenda-lhe um longo poema em homenagem à rainha que seria declamado em um banquete no palácio. Combinaram então o preço do poema: doze talentos de ouro, sendo metade adiantado e metade após a leitura do poema. Após fazer muitas perguntas sobre a vida e a fisionomia da soberana, Homero despediu o emissário e dedicou-se à gênese do poema. A rainha Astréia orgulhava-se de ser descendente das lendárias amazonas e fomentava a lenda de façanhas guerreiras à frente de um poderoso exército. Em breve, um canto épico começou a florescer no espírito do poeta cego. Sobre as armas da rainha, ele dizia haver “um desejo de morte na flecha que voa”, o seu olhar belicoso era “um feixe de flechas disparadas contra um único alvo” e a “aurora de dedos róseos” tinha esta cor devido ao sangue das vítimas da soberana amanhecidas no campo de batalha. Era costume, nos cantos de soberania, tecer a filiação divina do homenageado. Homero compôs um longo paralelo entre a rainha e Palas Atenas, a deusa da sabedoria. Uma semana depois, Homero parte com o emissário. Viajam ao amanhecer, cruzando mercados, desertos e trilhas nas montanhas. O olor de um bosque florido vence o suor dos cavalos às portas do palácio. Um incenso de lótus evoluía pelas solenes escadarias e o sândalo impregnava os aposentos onde o poeta fora instalado. Ele nunca antes havia inalado perfumes tão distintos e delicados, a composição e a intensidade dos aromas no palácio sugerindo uma exótica ciência e produzindo no poeta sublimes estados de alma. A corte da rainha Astréia era composta por onze sacerdotisas. Homero logo imaginou estar diante das mais iniciadas perfumistas da antiguidade. Conheceu e confabulou com todas elas e maravilhou-se com a adequação que parecia haver entre o perfume e a personalidade da usuária e, em breve, passeando pelo interior do palácio, era capaz de dirigir a palavra, sabendo quem estava ao seu lado graças aos aromas exóticos que as cortesãs emulavam. Durante o banquete em volta da grande mesa de alabastro, Astréia pediu a Homero que declamasse o seu poema. Através da boca bem-aventurada jorrou-se as mais doces palavras que u’a mulher pode ouvir. A rainha sorria e ruborizava-se diante de tão generosos epítetos e louvores exaltados. Então, na metade do seu poema, Homero abordou a filiação da rainha à deusa Palas Atenas e, inflamado, passou a elogiar a deusa, seus olhos glaucos, a sua inteligência e seus feitos heróicos de guerra; neste encômio usando toda a segunda parte do poema.. A sua cegueira e o seu entusiasmo impediram-lhe perceber a mudança de humor nas faces ciumentas da rainha. O seu espírito religioso, entregue aos louvores à deusa, turvou-lhe a sua já delicada percepção da realidade. Um longo silêncio perdurou após a declamação do poema que parecia, por um tempo, ainda ressoar nas frias paredes de mármore do palácio. Em um tom sinistro e jocoso, a rainha pronunciou-se:
_ Divino poeta, confesso jamais ter ouvido versos tão belos e, se pudesse ver a lágrima corrida em minha face, desnecessárias seriam estas minhas palavras de agradecimento. Provavelmente a deusa Atenas deve estar tão emocionada quanto eu. É uma honra imensa filiar-me a uma deusa que parece ser a mais sublime do universo após o encanto do seu poema. Quero lhe fazer uma proposta que será também uma homenagem a esta esplêndida divindade. Você compôs metade do poema para ela e metade para mim. Os seis talentos de ouro que lhe foram adiantados será a minha parte do pagamento; a outra metade deixaremos que a deusa lhe pague ! Acredito que você mereça muito mais como recompensa...
Um sorriso irônico brotou nos lábios das cortesãs, não encontrando censura no olhar vingativo da rainha. Homero enrubesceu como a aurora de suas metáforas e sentou-se transtornado; sentiu os seis talentos de ouro naufragarem na mágoa de seu fracasso. Novas conversas, das quais Homero não entendia nem fazia parte, envolveu as comensais e a sua amada rainha. Homero esperava uma chance para se retirar quando um servo apresentou-se e informou haver no pátio u’a mulher em trajes de guerra desejando ver o poeta e exigindo que ele viesse sozinho. Homero cumprimentou a rainha com descompensada mesura e, guiado pelo servo, retirou-se do recinto. No pátio, onde deveria estar a intempestiva visitante, um clarão de luz desenhou na sua consciência a imagem de uma guerreira com paramentos de ouro, um arco e uma aljava de flechas na mão. Ouviu-se um trovão ensurdecedor retumbar pelas montanhas; em seguida o teto de mármore do salão desabou esmagando a rainha Astréia e suas onze convidadas. Após o pânico que assaltou o palácio surgiu um embaraçoso problema: os corpos estavam tão desfigurados sob os escombros que os parentes das vítimas não conseguiam identificá-los e já se falava em uma tumba coletiva quando Homero apresentou uma solução ao problema. Ele se lembrava do nome e do respectivo perfume de cada uma das ilustres comensais. Os servos recolhiam os cadáveres informes em lençóis e Homero, sem esconder uma profunda repugnância, inalava os corpos em busca do perfume e pronunciava solene o nome da vítima...
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