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A Salvação da Alma
(Carlos Drummond de Andrade)

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            Éramos cinco filhos: Eu, Augusto Novais Júnior; Tito, o irmão mais próximo; Ester; Édison; e Miguel, o mais velho – era o que sentíamos maior falta quando para fazer seu ginásio andava a cavalo por dez léguas em estradas mal cuidadas. Meu pai sempre respondendo as perguntas de minha mãe resmungando em monossílabos, trabalhava no transporte de tropas, era comerciante, e por ser um trabalho penoso, servia-nos do conselho que não se deve apanhar sem reagir. Sem contar o orgulho dos Novais manchado pelo sarcasmo dos Teixeira, Andrada e Guimarães, de outros clãs. Minha mãe preocupada com nosso interesse nas questões do catecismo, que em exceção à Ester, não se via nenhum futuro.
            No interior em que vivíamos havia grande apreço a cultura intelectual. Porém confiamos pouco em seus efeitos.
            Vivíamos brigando. Gostávamos, porém, muito um do outro, brigas de irmãos. A falta de Miguel fazia-no presente se alguma coisa não desse certo. Por exemplo, se a caça a passarinhos não fosse bem, teria sido um sucesso se Miguel participasse.
            Em missões, enquanto um padre pregava, outros ouviam as confissões. Pedíamos que Ester nos acompanhasse, em vez de ir no grupo de meninas, para suavizar os nossos feitos. Os pecados entre os irmãos eram parecidos, e a penitência a mesma, cinco padre-nossos, e cinco ave-marias – menos Ester que recebia três padre-nossos e três ave-marias.
            Ao voltarmos para casa, Tito chamou-me de lado e me propôs darmos uma volta, já que não haveria aula no dia seguinte. Concordei. Fomos andando na única rua da cidade, porém que diversidade de ambientes, um pedaço subia o morro, outra margeava o córrego, outros sem casas ou chafariz, ainda hortas, ranchos...
            Tito falava-me de sua vontade de mudar de vida. Primeiramente iria parar de brigar comigo. Embora não acreditando, tocamos as mãos. Pareceu que a cidade silenciosa fizesse também as pazes conosco. Paz em nossos corações.
            Tito queria marcar aquele momento de alguma forma. Emocionado, a voz engasgada, pediu-me que lhe mandasse fazer algo humilhante, que nunca mais usaria de sua força contra mim. A princípio nada me ocorreu. Ele listando as possibilidades e eu as negando. Eu disse-lhe que não queria humilhá-lo, ele insistindo em sê-lo.
            Decidi fazer sua vontade, e chegando a um trecho inclinado da rua, de difícil subida, e mau calçamento, disse-lhe que me levasse até em casa às suas costas, e para agravar a humilhação, sentindo um certo prazer pecaminoso, a cada cinqüenta passos ele deveria gritar: “ Sou burro e quero capim! ”,
            Tito o fez em expiação de sua alma. Eu, sem que fosse totalmente consciente, tendo minha desforra. Lembrou-me as vezes em que ele me batendo mandava que eu dissesse que tinha apanhado, e eu dizia, “ apanhei... ”. Pensei então em estimular ‘o animal’, e mesmo sem esporas, ou calcular bem o lugar, atingi-lhe com os meus calcanhares sua virilha. Ele soltou um berro de dor. Uma dor de expressão maior que qualquer boa intenção. E esquecido de toda bem-aventurança, alcançou-me a bater:
            “ Toma, desgraçado! Toma, cachorro! Toma ! Era assim que você queria ajudar a salvar minha alma ? Toma, bandido ! ”.
            Não comungamos no dia seguinte.



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