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O Sorvete
(Carlos Drummond de Andrade)

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            Ao colégio em 1916, a capital tinha apenas cinqüenta mil habitantes. Algum comércio, entre eles um cinema, e uma confeitaria.
            Eu tinha onze anos, e Joel treze, o que dava a ele uma autoridade natural sobre mim. Um irmão, um exemplo, protetor. Fui ao colégio por uma idéia de meu pai, o Coronel Juca, dos Caldeira Lemos, o que achou correto também a seu filho, os Mendonça. Tínhamos apenas um dia livre, o domingo, isto se mostrássemos bom comportamento durante a semana. O dinheiro era pouco, por recomendação do próprio internato aos pais, e ficava às suas mãos.
            Em certo domingo em meio ao passeio, pouco antes de entrarmos ao cinema, visitamos a confeitaria. Escrito com giz branco em um quadro negro: “ Hoje, Delicioso sorvete de abacaxi; Especialidade da casa; Hoje! ” O anúncio cativou-me, de tal forma que me emocionou. Mostrei a Joel o escrito a giz, ele pareceu indiferente, mas sabia que também havia sido tocado, com a idéia súbita de tomar sorvete de abacaxi.
            Porém como havíamos combinado ir ao cinema, Joel disse:
- “ A gente já tinha resolvido ir ao cinema, agora o jeito é ir. O sorvete fica para o domingo que vem. ”
O filme não guardava nossa atenção. Eu observando em Joel algum sinal de frustração. Não sei se por arrependimento; insatisfação, aventura, ou volubilidade, falou-me:
-         “Vamos lá, vamos?...”
Fomos. Nunca havíamos sequer experimentado uma pedra de gelo na boca. O garçom colocou sobre uma toalhinha dois copos cheios de água, dois guardanapos de papel, e duas pequenas taças de vidro, em cada uma meia esfera de algo brilhante.
Que decepção. Foi horrível. Em nossas faces toda a expectativa desfez-se. Nos rostos a expressão do asco. Nenhum vestígio de abacaxi, só a dor causada pelo frio.
            De repente perante os olhares maliciosos dos freqüentadores, do garçom, do caixa: Eram só cobrança, quase de uma natureza moral...
            Desisti antes de Joel à dor de tal coisa gelada. Porém em função de nossos nomes, daquilo que recebemos no berço, e que temos o dever de perpetuar junto a nossos filhos -  Joel: “ Acabe com isso se não quer ficar desmoralizado. ”
            A situação mudara um pouco, tomar o sorvete, do qual se perdeu todo o lirismo, transformado em dor, era agora uma obrigação. E assim o fizemos, tomamos, o mais rápido que podíamos.
            Ao acabarmos os olhos de Joel eram outros, agora aprobativo e cordial. O garçom aproximou-se, Joel perguntou quanto era.
            O dinheiro faltou.



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