Presépio
(Carlos Drummond de Andrade)
Dasdores era só trabalho, como a educação das mulheres em cidade pequena. Se não trabalhasse tanto, o que poderia vir a pensar ou ser – é melhor que tais aspectos não surjam, e que a obrigação lave seu espírito.
Nesta véspera de Natal estava dividida entre cuidar do presépio, ou ir à missa-do-galo, ver seu namorado.
Apenas Dasdores sabia da construção do presépio, arte que lhe passou uma tia, já falecida. O relógio da sala era seu íntimo, embora o tempo passasse lento nestas cidades que mais parecem uma fazenda grande – o tempo através do relógio gritava: “Agarra-me!”. O presépio não pode ceder a novidades, cada parte sua compartilha uma função específica em seu papel no nascimento do Menino.
Pensa em Abelardo.
Caixas pelo chão, ou sobre à mesa. Desembrulhá-las, a primeira satisfação. Os irmãos mais novos queriam participar, mas a eles nunca seria permitido tocar no Menino Jesus, Santa Maria e São José, talvez nos pastores, ou nas pequenas grutas ao lado. Os pequenos animais não eram perfeitos: um carneirinho sem uma perna, que se poderia concertar, porém pensava Dasdores, O Menino há de gostar mais assim. Também alguns camelos desproporcionais, não poderiam faltar pois pertenciam a tia morta. Ao passar os dedos, com ternura pelos camelinhos, sentia neles a macieza da mão de Abelardo.
Amigas vão a sua casa para combinar a hora da igreja, e encontram o presépio ainda a ser completado, marcam voltar duas horas depois. O tempo continuava: “Agarra-me! Agarra-me!” Qualquer visita é forma de distração, num caso em que se tem poucos minutos para um arranjo, que em si necessita não apenas de tempo, mas também de uma calma dominadora, e que não pode ser adiado, há pessoas que nervosas fazem concentrar sua vontade, e numa excitação crescente, faz o trabalho surgir, perfeito, de circunstâncias adversas. Não era o caso de Dasdores, que mais parecia pertencer ao grupo de pessoas fantasistas. Ao interrogar o relógio via nele agora o rosto de Abelardo, seu bigode, cabeleira lustrosa, olhos acesos, embaralhados por toda a parte.
O tempo vai passando, “Agarra-me! Agarra-me!”, e se não o observamos ele passa em uma velocidade desmedida. Se prestamos atenção porém é capaz de fixar-se gelado, parado. Pelo tempo talvez não haveria, este ano, Natal , nem namorado. A noite seria então um largo pranto sobre o travasseiro.
Dasdores continuava a construção do presépio. Calma e preocupada, em dúvida, juntando na imaginação os dois deuses. Os pastores em posição de adoração, penetrando nos olhos de Abelardo, as mãos de Abelardo, o mistério de Abelardo em o ser, a auréola em torno dos cabelos macios de Abelardo, a pele morena de Jesus, e aquele cigarro – quem botou! – ardendo na areia do presépio, e que Abelardo fumava na outra rua.
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