"Os Filmes de Eduardo Coutinho"
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OS FILMES DE EDUARDO COUTINHO Carlos C. de Andrada Eduardo Coutinho é o maior documentarista brasileiro, um dos melhores de todos os tempos e talvez o maior nome do documentário ainda vivo no planeta. É um desafio, portanto, fazer uma resenha de sua obra, e, como gosto dessas coisas, farei o seguinte: escreverei sobre seus filmes, dos quais gosto e com os quais me identifico. Acho que ele não gostaria de ser chamado de “o cineasta dos marginais”, “o documentarista dos excluídos” ou “o que deu voz aos deserdados”; seria melodramático, piegas demais. Eu prefiro nomeá-lo como um entrevistador de anônimos, que percebe em pessoas comuns, sejam de qualquer origem, religião ou ideologia, a vontade e o talento de contar fatos, de suas vidas ou fora delas, mas que exerçam atração sobre quem ouve. As histórias das mulheres de Jogo de Cena (2007) são bastante normais, porém, paradoxalmente, transmitem algo de especial sobre cada uma, que é sentido por todos. Suas falas não são complicadas, transcendentais nem metafísicas, embora cativem o espectador com acontecimentos verossímeis e emocionais. A princípio são mulheres que têm problemas que variam de grau de gravidade, contudo podem ocorrer com qualquer mulher: perda trágica dos filhos, abandono do marido, gravidez precoce e não planejada, desentendimentos familiares e pessoais, etc. Todavia, como é de praxe nos filmes do diretor, as histórias se salientam não só pela força da personalidade de quem as conta, mas principalmente pelo jeito intenso de contar, que provoca um desejo de saber, de compartilhar, se ser “o confidente” de quem está à frente da câmera. E as mulheres, guerreiras brasileiras que travam todos os dias as batalhas do cotidiano, não foram valorizadas e destacadas somente em Jogo de Cena (onde apenas elas “atuam”). Elas são retratadas com vasto louvor e respeito desde Cabra Marcado para Morrer, onde a grande personagem efetivamente é uma mulher, Elizabeth Teixeira, a viúva “matriarca” da família esfacelada e espalhada pelo Brasil. Ou poderíamos lembrar de dona Teresa, a espiritualista que era rainha em encarnação passada, de Santo Forte (1999). O papel importantíssimo desempenhado pela mulher na sociedade brasileira, em todos os níveis, é retratado e demonstrado pelas próprias mulheres, através de seus relatos e casos contados com vivacidade e entusiasmo, quase que numa dramatização dos fatos. Quando Coutinho pergunta a Teresa, no final da conversa: “Você é feliz”?, a resposta a uma pergunta tão simples se torna tão complexa quanto a própria vida, a existência com sua avalanche de sentimentos constantes e comprimidos. E que dizer das mulheres interessantes e magnéticas de Edifício Máster (2002)? Alessandra, com sua sinceridade simples, sem vergonha nem arrependimento do que faz e sem pudores para conversar de um jeito normal, franco, sem pseudo-tabus nem moralismos dissimulados. Da mesma maneira, dona Djanira, de Babilônia2000 (2001), não sente nenhum receio em falar de sua vida, do que é o Brasil, de Juscelino ou do cotidiano do morro quando indagada. Isso mostra a total cumplicidade e confiança mútua entre os que dialogam, a lealdade entre Coutinho e o anônimo com quem troca discursos. Não há encenação, só a edição com cortes de quem fala, por uma questão de tempo do filme. Tudo é falado com emoção legítima, e há quem até cante, para expressar ainda mais genuinamente o que sente no momento da conversa. Quando alguém confessa algo nos filmes, faz isso sem intenção de chocar, ao mesmo tempo sem nenhum tipo de temor pelo diretor ou das supostas conseqüências, ou seja, o que os outros vão pensar. Os participantes / personagens sabem que suas vidas não mudarão depois do filme, não ficarão famosos, não ganharão muito dinheiro, não serão procurados por agências de publicidade ou por caça-talentos de emissoras de TV. Talvez por isso mesmo não se preocupem com a crueza daquilo que revelam, pois os efeitos serão praticamente nulos.
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