NÃO ME ACORDES AMANHÃ! ...
por SOUSAFARIAS *
Foi antesdeontem que a Marianita disse para empregada depois de tomar os comprimidos "Não me Acordes Amanhã" ! ... A Marianita morreu.. e vai a enterrar hoje..
Estamos no princípio do Inverno e a sítio está triste como o dia. Alguns trovões entoam no ar e as pessoas pedem apoio a Santa Bárbara. È uma tradição antiga, vem já desde não se sabe quando. Quando faz trovões lá vem Santa Bárbara.
Hoje é um dia negro para a sítio. Vai a enterrar a Marianita, a moça mais linda do baile quando eu tinha quinze anos. Fazia furor e até o Xico Ramos, uma noite, quando ela entrou na sala, não se conteve e disse um “viva a Marianita”. Foi tal o brado que esse viva deu lá na Sítio, que o Zé Costa, quando encontra o Xico ainda lhe diz, ah ladrão, foste tu que deste um viva à Marianita.
Mariana Luz da Conceição, assim se chamava aquela que tinha posto muitos corações a balançar noutros tempos. Aos dezoito anos era uma mulher encantadora. Casou com o Manuel Bárbara dos Agostos que foi gerente do Banco. E hoje, nós, a malta do tempo da Marianita, reunimo-nos no Largo da Bomba, onde tantas vezes nos tínhamos juntado para conversar sobre as moças depois dos bailes. Éramos agora homens já velhos, todos pelo menos avós e alguns já bisavós. A Marianita estaria quase a passar. Um carro puxado a cavalos, tinha ela dito ao marido. Com cavalos pretos Manel, não te esqueças...
Estávamos aí uns dez homens desse tempo no Largo da Bomba, quando chegou o João Quintas, meio assustado, pelo menos parecia e perguntou a hora do enterro. A que horas passa ó Xico?
Está quase, disse o Xico.
As vendas tinham fechado o negócio e até o Manuel Pinto não se tinha embebedado nesse dia. Quando chegou ao pé da malta no Largo, o Manuel, que tinha dançado muitas vezes com a Marianita, ainda se aventurou e disse, que bela tranca ela tinha ó moços. E depois contava como era a marosca.
No baile, dizia o Pinto, a malta punha-se à frente mas eu piscava-lhe o olho e marcava a dança. Eles iam à frente, todos lampeiros mas ela dava sopa neles. E depois chegava eu e ela vinha comigo. O Zé Zorra ali de baixo, uma vez quis andar á porrada comigo por causa dela. Mas o Zé não tinha razão. Ela quis dançar comigo e pronto e fomos. O Xico Ramos ainda disse que gostava de ver o Manel dançar com a Marianita. As marchas.. as marchas, dizia o Manuel Pinto.
Começa a ouvir-se um burburinho na estrada. Era a passada dos cavalos que se aproximava do Largo. A malta estava silenciosa. Com respeito. Tinham aprendido isso na tropa nos tempos idos. O Chumbinho ainda deu uma ordem de sentido e ouviu-se um "sent ido". E a malta obedeceu.. E assim se mantiveram até o cortejo passar e seguiram-no depois até ao cemitério.
Nunca se tinha visto uma coisa assim. Veio gente de todo o lado Até o Eduardinho moleiro do Poço Longo esteve presente mais a senhora dele. A notícia correu e a malta dos velhos tempos vieram todos. E recordavam esses tempos e o balho também, a moda das tabletes, meninas ao bufet... e a gente sem dinheiro, dizia o Grilo.
As pessoas iam saindo e diziam umas para as outras, é a vida. E o Cipriano que chegou quando estavam já todos de saída ainda foi apresentar os pêsames ao Manuel Bárbara e disse-lhe, Manuel apresento-te os meus sentidos pêsames e dá cá um abraço. Era uma grande mulher disse. E o Manuel Bárbara agradeceu. O cemitério fechou às sete da tarde.
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