Gato Preto Rio Maior
(jaurelio)
Por volta do meio-dia estávamos na tufeira, junto das nogueiras grandes, quando o chão começou a tremer. Um trovejar de catástrofe entrou-nos pelos corpos, percorreu-nos os ouvidos entranhou-se na terra. Vêm lá os franceses! Recordo-me que era um dia sombrio, que o sol prometia espreitar por traz das negras nuvens. Mas o dia esvaiu-se sem sermos comtemplados pela luz solar. Os invasores entravam em Rio Maior! Os cães uivavam a um só tempo, anunciando a desgraça. Os corvos grasnaram sobre nós e fujiram, as águas do Rio Maior apressavam-se, juro que se apressavam fujidias como que pressentindo a visita da morte como que fujindo a manchas de sangue e dor. Ainda antes de avistarem o exército estrangeiro, as crianças começaram a chorar enquanto as mulheres corriam a fechar o gado nos currais e a empurrar os filhos para as casas. Os homens que andavam na poda das vinhas, acorreram ao largo da vila. Os resineiros oscilaram entre o fujir dali para fora ou ir receber o exército invasor. Os tufeiros, fomos os últimos a chegar. Metade montada a cavalo cansado, a outra metade a pé sobre botas gastas e rotas, ao todo seriam cerca de 3000. . Num cavalo negro suado, um homem enorme apresentou a matilha fazendo atruar um mau portugûes: "Sou o General Junot, comandante supremo do exército de Napoleão Bonaparte, ilustre e digno imperador da França, Espanha, Portugal e Rússia. O Nosso exército acaba de expulsar o inimigo inglês. Sou portanto, governador destas terras, devendo vós prestar-me vassalagem, atendendo a todas as minhas preteñsões. Vamos pernoitar nesta terra e contamos com a vossa total colaboração. Quero que me indiquem a melhor moradia deste lugarejo, e que, nesta praça, seja apresentada rapidamente toda a comida que possuís. Sabe-se agora que o mal parecido general acabara realmente de travar a batalha de Almoster mas perdera-a sem apelo nem agravo, deixando caidos metade dos seus homens, retirando á pressa, abandonando mortos e feridos à sua sorte. Em pouco mais de meia hora, vinte porcos e outros tantos vitelos rodavam sobre brasas incandescentes. Cestas de pão e pipas de vinho foram levados aos franceses que exultavam com tanta fartura. Entretanto, o exército invasor vasculhava casa a casa, distribuindo sem piedade murros e pontapés em homens e mulheres, todos quantos se atrevessem a contrariar seus instintos de salteadores. Recordo-me de te procurar, meu amor. Na nossa casa. Depois, na casa dos teus pais. Ninguem te tinha visto. Fui atacado por um sobressalto inquietante. Retirei debaixo da cama a espada com que meu avô esventrara setenta franceses aquando da primeira invasão, e fui à tua procura, pé ante pé. Percorri um a um todos os palheiros e celeiros. Era noite alta quando te encontrei. Da casa dos Miguéis, onde se instalara Junot, ouvi a tua voz:
- Solte-me seu miserável! Desamarre-me e lute comigo como um homem!
Empoleirei-me na sardinheira que subia até ao telhado na fachada sul. Ouvi Junot berrar:
- Mademoiselle, para quê tanto alarido? Queiras ou não ireis ser a mulher dum general poderoso, ireis morar num castelo na elevação mais bela da Baviera. Que mais quereis? Calai-vos! Eu vos ordeno!
- Saiba seu monte de trampa, esta é a minha terra. Aqui nasci, cresci e casei. Aqui quero dar à luz o filho que trago no ventre vai para 3 meses!
Tu com um filho meu no ventre? Meu amor, minha amada e venturosa esposa! Porque não me tinhas dito nada?
-Estás prenha? Grande pega! Como pode uma gaja tão bonita, tão formosa e sadia se deixar engravidar por um labrego deste lugarejo? Guardas! Michel! Pierre! Levem esta vagabunda daqui para fora e tragam-me uma fêmea como deve ser!
Momentos depois estavas na rua, Com as roupas desalinhadas, choravas. Correste rua acima eu continuava pendurado na parede. Assim que vi o caminho livre, saltei dali e corri ao teu encontro. Em silêncio ficamos abraçados pela noite dentro. Por precaução fomos dormir na barraca da horta, em murmurios de amor falámos do fruto do nosso amor, do nosso filho que já latejava em ti, palpitámos sobre o seu nome, as suas feições. Ao nascer do dia, pegaste na espada e vestida de negro, com movimentos de gata , misturaste-te com a escuridão que restava na rua. Soube-se depois que, no caminho que te levou até á casa dos Miguéis, mataste sete soldados à força da espada que o teu orgulho agitava no ar. Entras nos seus aposentos e desafias em voz alta, um espadachim esperimentado. Tu, toda beleza e feminilidade, transformas-te em coragem e destreza, e combates corpo a corpo o comandante supremo dos invasores. Seriam sete da manhã quando o duelo se iniciou. Lutaram de quarto em quarto, destruiram a cozinha a golpes de espada, incendiaram a sala e, ao descerem a larga escada de pedra, conseguiste atingir o rosto do general. Uma ferida superficial, profundamente humilhante. O combate estendeu-se às ruas e quintais de Rio Maior: Os riomaiorenses, contagiados com a tua coragem, pegaram nas suas forquilhas e machados e picaretas e começaram uma batalha que irá figurar para sempre nos manuais da história das guerras. Completamente embrenhado na luta, ia derrubando á paulada todas as fatiotas azuis que me iam surgindo pela frente; e procurava por ti, gritava o teu nome, entre o turbilhão das pancadas e dos gritos. Por volta das dez da manhã encontrei-te finalmente, caida no chão, envolta numa poça de sangue, morte e lama, mais nada.
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