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Os girassóis cegos
(Alberto Méndez; José Ferez Sabino (tradutor))

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Um lado da guerra que não é muito mostrado, apesar de estar lá, é o dos que não estão nos campos de batalha: a dona de casa, o poeta, o intelectual, o padre, a criança, e que refletem até hoje no inconsciente espanhol. Foi isso que o escritor Alberto Méndez (1941-2004) procurou resgatar no livro Os Girassóis Cegos.
O primeiro conto se chama “A primeira derrota: 1939 ou Se o coração pensasse, deixaria de bater”. Conta a história do capitão Carlos Alegria, que, integrando as tropas que estão prestes a vencer a guerra, ao saber disso, rende-se aos inimigos. Vira um vencido entre os vencidos. Mas quem em sã consciência faria uma idiotice dessas? Talvez as pistas sutis no conto revelem: ele passou alguns dias enterrado em uma cova pública e saiu com vida, foi maltratado pelos que recusavam dar-lhe água e pão e tratar das suas feridas porque estava maltrapilho em suas portas, e saiu gratuita e deliberadamente de uma posição superior, vitoriosa, para sofrer entre os desgraçados, sendo maltratado por e com estes. Em “A segunda derrota: 1940 ou Manuscrito encontrado no esquecimento”, é encontrado um diário em uma cabana abandonada, ao lado de dois esqueletos, um adulto e um bebê. O diário narra a tragédia que houve ali. A história começa tensa e o desespero aflora em conta-gotas até transbordar toda a alma do leitor. Nunca a morte foi aguardada de uma maneira tão dolorosa e esperançosa. As páginas datadas, as descrições do que havia em cada folha além das palavras tornam a narrativa dramática muito mais vívida.
“A terceira derrota: 1941 ou O idioma dos mortos” traz a história de um condenado que tem a pena de morte adiada por contar uma mentira ao seu executor, o coronel Eymar. Por que uma mentira que cura uma ferida é melhor aceita? O coronel sabe que é mentira, então, quem estaria enganando a quem? “Quando alguma coisa é inexplicável, aventurar uma razão plausível é o mesmo que mentir, porque os que precisam administrar verdades costumam chamar a confusão de mentira” (pg. 67). A rotina dos presos aguardando a morte enquanto ela insiste em transformar a espera em tortura é alongada até que não restar mais nenhuma forma de esperança. Ou, a esperança passa a ser fatiada em dias, em horas, em gestos, para ser usada temporariamente como uma manta contra a gélida e sombria desilusão.
O último conto, “A quarta derrota: 1942 ou Os girassóis cegos”, ganhou o prêmio Setenil de contos e, postumamente, o Prêmio Nacional de Narrativa e o da Crítica. É o conto que dá nome ao livro e consiste em 3 narrações simultâneas, uma carta (escrita em itálico), uma lembrança (em negrito) e a história que une as duas anteriores, girando ao redor das relações entre um padre, um menino e os seus pais. Os sentimentos, desejos e medos de um personagem dissimulado e/ou mal interpretado em uma narrativa, fica evidente em outra, dando o efeito literário do leitor conseguir captar enganos e intenções ocultas. Um destaque especial fica com a virtuosa cena de sexo entre o casal, altamente poética e nem um pouco vulgar. Neste conto tríplice que o título “girassóis cegos” é explicado, embora através da reflexão se consiga chegar até a sua interpretação. Em 2008, o conto virou filme com direção de José Luiz Cuerda e provavelmente será o concorrente espanhol ao Oscar de melhor filme estrangeiro, sendo um grande candidato a ganhador, se transmitir na tela as mesmas sensações que conseguiu nas páginas. Veja o trailer (em espanhol).
Méndez usou personagens reais mesclados com a ficção literária. Ele admitiu que são histórias que ele ouviu desde criança (ele nasceu em 1941) de seus pais e tios e amigos da família, e as adquiriu como uma memória por osmose. Alberto Méndez trabalhou como editor durante muitos anos e, infelizmente, escreveu só este livro, pois veio a falecer em 2004 de câncer. Ao morrer, deixou um romance incompleto, que se passava na Espanha socialista. Mas deixou uma obra-prima pela qual será lembrado por décadas. É descrito como “Lector tenaz y exigente, escritor inteligente y sensible, con un respeto inusual hacia las palabras y los rigores del lenguaje”. Ele consegue juntar história, estilo literário, dramaticidade e originalidade em doses certas, aquelas que viciam o leitor já no primeiro parágrafo. Melhor para ele, que será lembrado como um grande escritor, pior para nós, os que tiveram a sorte de se apaixonar pelas suas palavras.
(texto originalmente publicado em 13/12/2008 no blogue www.jefferson.blog.br)



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