Arroz DO CÉU
(José Rodrigues Migéus)
Cai de tudo nos grandes respiradouros gradeados, existentes ao longo dos passeios de Nova York, sobre as estações do Metro, desde o sol e a chuva, luvas, lunetas e botões, papelada, pastilhas elásticas, tacões de sapatos de mulheres que ficam entalados e até dinheiro.
Os garotos por vezes ajoelham-se de nariz colado às grades, tentando apanhar estes pequenos tesouros. Com grande obstinação e habilidade pescam as moedas perdidas e quando alguém tem êxito nisso engalfinham-se em disputas sobre a posse e a partilha do tesouro.
O limpa-vias trabalhava há muitos anos no Metro, sempre de olhos no chão. Picava papéis, varria milhões de pontas de cigarros, raspava das plataformas as pastilhas elásticas, limpava as latrinas, espalhava desinfectantes, polvilhava as vias com um pó branco, encolhendo-se contra a parede negra, sempre que o colega da lanterna gritava - lá vem o comboio!
Sempre de olhos como quem nada espera do Alto. A vida dele vinha toda do chão imundo e viscoso. Nem sequer olhava para a ténue claridade que entrava pelos respiradouros.
Era estrangeiro, imigrante como tanta gente, só falava por monossílabos, não tendo necessidade de falar inglês, que mal sabia.
A todo o comprimento da fachada da Igreja de S. João Baptista os respiradouros do Metro formavam uma longa plataforma arrendada. Por lá são muito frequentes os casamentos, onde o arroz chove em cima dos noivos, à saída da cerimónia, com grande estrago de alegria e depois das cerimónias o arroz é varrido para dentro das grades, resvalando para dentro do subterrâneo.
A primeira vez que viu aquele arroz espalhado no chão, o limpa-vias não fez caso, varrendo-os com o resto do lixo para dentro do saco cilíndrico. Notou que a coisa se repetia. O arroz limpo e polido brilhava como pérolas. Matutou de onde viria tanto arroz? Desconhecia aqueles ritos, no casamento dele não tinha havido arroz de qualidade nenhuma.
Até que um dia, ajuntou os bagos num montículo e encheu com eles os bolsos do macaco. Em casa, a mulher cruzou as mãos de assombro perante aquele carolino de primeira. Eram pobres e aquela fartura de arroz enchia-lhes a barriga, a ele, à mulher e aos seus filhos. Ela habituou-se e dizia-lhe “Vê se hoje há arroz, porque acabou-se o que tínhamos em casa”
O limpa-vias nunca perguntou donde chovia tanto grão, ignorando que lá em cima era a Igreja de São João Baptista, não sabendo a que atribuir o fenómeno.
O arroz vinha do Céu, como a chuva, a neve, o sol e o raio. Tão pobre e calado, pensava que Deus lá no alto, mandava-lhe aquele maná para encher a barriga aos filhos, sem ele ter pedido nada.
Resignando-se a ser alvo da misericórdia do Senhor, começou a rezar-lhe fervorosamente, à noite, o que nunca fizera antes.
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