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Alguma Poesia
(Carlos Drummond de Andrade)

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Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.

Metalingüístico, o poema que escolho para leitura constrói-se sobre a dificuldade, se não sobre a impossibilidade, do poema. Nele, o eu-lírico depõe sobre a dificuldade de dar corpo à poesia.
Organizado em uma só estrofe de oito versos, pelo encadeamento sintático que estes mantêm entre si, ela, a estrofe, poderia ser dividida em quatro dísticos, cada um dos quais compondo um período. No primeiro, o eu-lírico, que se confunde com o poeta, declara ter passado uma hora “pensando um verso” que não se materializa. Tal verso, no entanto, afirma o segundo dístico, está dentro do poeta, “inquieto, vivo”. O terceiro dístico é enfático, colabora para o ritmo do poema enquanto repetição de uma idéia renitente: o verso “não quer sair”. Apenas o último dístico aporta informação nova ao discurso até agora. Tal informação é a de que a poesia que não se dá a ver em verso é capaz — como?— de inundar a vida inteira do poeta. Trata-se da afirmação da poesia enquanto um estado de espírito que prescinde de sua externalização em forma para existir, poesia imanente, próxima do estado de êxtase do místico que não fala, antes cala. No entanto tudo que sabemos se dá a nós por um poema, que diz, assintoticamente — por aproximação, por sugestão — o outro poema de que o poeta fala, o que não quis — ou não pôde — dizer-se.
Incomoda essa metalinguagem. Parece mistificadora. Sugere a pobreza expressiva de um tempo em que a poesia parece não conseguir se realizar mais sobre coisas, sobretudo no momento em que escrevo este texto, momento caracterizado por uma espécie de febre da poesia auto-referente, asfixiada, palavrosa e pretensamente reflexiva e erudita. Ora, um poema sobre a impossibilidade do poema! Não seria melhor o silêncio? A resposta do poeta é taxativa: para dizer o inefável, um poema, cujo corpo é imprescindível à expressão da poesia. Se não, vejamos.
O poema está, do ponto de vista métrico constituído de versos, respectivamente, do primeiro para o último, com os seguintes números de sílabas: 10; 8/9; 7/10; 4/5; 5; 5; 10; 9/10. Os versos em que se registra mais de uma possível escansão trazem em primeiro lugar a que se obtém por uma leitura mais conforme aos padrões da língua falada e, em segundo, a que se obtém por uma leitura mais artificial, porém possível. O verso de dez sílabas tende a dominar o poema, sobretudo se considerarmos que o quinto e o sexto verso, ambos de cinco sílabas, apresentam uma continuidade sintática e rítmica tal que o ouvido tende a juntá-los em um só: “Ele está cá dentro e não quer sair”. O último verso, sugestivamente, se o escandirmos sem a possível junção da vogal átona de ‘vida’ com a primeira de ‘inteira”, conta nove sílabas até a última tônica. Mas se permitirmos que a poesia que domina o poema — o verso de dez sílabas — inunde a última sílaba átona, então, o último verso, como no sistema métrico da poesia espanhola, passa a contar também dez sílabas. Os efeitos de sentido que se podem extrair da métrica parece não irem além dessa sugestão[1] de um metro — forma pura — que tende a espalhar-se por todo o poema, contaminando cada verso, não de maneira óbvia, mas insidiosamente — e ao mesmo tempo com certa artificialidade — corroborando o depoimento do sujeito lírico que declara-se num estado tal de pletora poética que o poema ele mesmo — enquanto conteúdo — faz-se desnecessário. Volto a considerar que o paradoxo de que o poeta acaba por escrever um poema para dizer que, embora não haja o poema, há nele, o poeta, a poesia, chega a dar a pensar que o autor está ironizando uma certa atitude poética que consiste em associar a poesia ao inefável, ignorando a materialidade do poema.
Ocorre, no entanto, que em “Fuga”, outro poema do livro, lê-se: “As atitudes inefáveis,/ os inexprimíveis delíquios,/ êxtases, espasmos, beatitudes/ não são possíveis no Brasil.” Nos versos que seguem, Drummond apresenta um poeta que, para fugir da realidade prosaica do Brasil, cerca-se de atitudes e preferências literárias estrangeiras nas quais busca sua fuga, numa reedição do escapismo romântico, do nefelibatismo simbolista ou da torre de marfim parnasiana.



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