A Febre
(le Clézio)
De uma forma meramente circunstancial esta obra de "Le Clézio", o Nobel 2008 entrelaçou-se entre os meus dedos, num folhear curioso senti que estava perante algo, paralelamente, absorvente e desconcertante que logo nas primeiras linhas das notas introdutórias nos surpreende "se querem realmente saber, eu preferia nunca ter nascido"
Eis o homem debruçado sobre o seu próprio destino. Completmente inerte face à dor, à raiva, à desilusão, a inexistência de reconhecimento, ao desamor...Em suma o ser humano desesperado, exaltado e sem destino.O homem que calcina os seus próprios passos e vai rodopiando sobre si mesmo em busca do nada.
Sente-se em toda a obra um doce sopro ao existencialismo francês na esteira de Satre e Camus.
Na Febre, de Le Clézio surgem nove histórias surreais que vão cativando o leitor para o universo do interior humano onde a angústia, o medo, a dispersão, a falta de sentido e desconcerto entreligam-nas.
Na primeira história surge Roch, um homem morto interiormente, sem dor e sem esperança. Numa febre de loucura parte a janela do posto de transtourisme, uma agência de informações onde ocupa um lugar minúsculo e é despedido. Quando regressa a casa esperando refugiar-se numa relação emocionalmente estéril e acabada encontra apenas o Vazio.
A segunda história "o dia em que Beaumont travou conhecimento com a sua dor" surge um homem assolado por uma dor completamente nova e insuportável. Telefona, grita, enraivece-se, implora clemência mas ninguém o escuta.
A dor de Beaumont é hiperbolizada ao extremo como se só o seu sofrimento realmente importasse.
Um nada que aglomera o todo e destrói toda e qualquer emoção.
Um homem completamente desventrada pela dor. "Disse-lhe há pouco. Agora é diferente, já não tenho necessidade de ninguém. Estou só, verdadeiramente só, sozinho. Ainda me dói, claro, mas já não sei. Está esquecido, já quase esquecido. Tenho um género de paz, uma espécie de pequena calma triste e silenciosa. Para sofrer verdadeiramente, é preciso amar alguém- Eu já não conheço ninguém no mundo, tudo se tornou para mim regular, indiferente."
Le Clézio, num tom, subtilmente irónico, traça-nos ao longo de toda a obra uma panóplia de personagens que se caracterizam por uma falta de riqueza interior que os deixa prostrados perante as contigências da vida anímicamente ausentes.
Termino esta breve análise com um poema que integra a história "Parece-me que o barco se dirige para a ilha" que exalta o sentimento impregnado nas nove narrativas.
Amargo
Retiro os meus desejos
Deixo correr a minha glória
Entreabro a porta ao Não
Estou-me nas tintas que os pássaros voem
Já não gosto do vermelho
O Destino é um escadote
Para os incapacitados
Amanhã tomo o comboio
Para a capital das borbulhas nas folhas das árvores.
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