Crime e Castigo
(Dostoievski)
Crime e Castigo- Qual a grandeza da sua alma?
“Em um maravilhoso entardecer de julho, extraordinariamente cálido, um rapaz deixou o quarto que ocupava no sótão...” Assim se inicia um dos romances mais tensos da literatura universal. Crime e Castigo, de Fiódor Dostoievski, apresenta a Rússia do século XIX, com suas tragédias e misérias. O narrador constrói diversos “heróis”, todos envoltos por uma névoa dramática: o bêbado que apanha da mulher, a esposa tuberculosa, as crianças que choram de fome num triste cubículo iluminado por uma réstia de luz, a prostituta que conserva a pureza de alma, as senhoras assassinadas e o homicida.
“Qual a grandeza de minha alma?”, pergunta-se Raskolnikov. Nosso herói é portador de uma teoria singular: ele divide os homens em dois grupos, o dos ordinários e o dos extraordinários. Ao primeiro grupo pertencem aqueles que simplesmente vivem, incapazes de um ato de transgressão, seres dominados pelas leis e que não ousam contraria-las, sejam elas quais forem. Do segundo grupo fazem parte os homens que “não recuavam ante a efusão de sangue” se essa “podia ser-lhes necessária” (pág- 280). Homens como Licurgo, Sólon, Maomé, Napoleão, indivíduos que transgrediram leis e criaram estatutos próprios em prol de suas idéias, deixemos que o jovem Raskolnikov caracterize esses homens: “todos que se elevam um pouco acima do nível, que são capazes de dizer alguma coisa de novo, devem ser por sua própria natureza criminosos, mais os menos, é claro.” (pág-280). Em que grupo se insere Raskolnikov? Naquele primeiro, cujos integrantes obedecem “porque é essa a missão que o destino lhes impõe” (pág-281) ou no segundo, dos “homens que transgridem a lei (...) a maioria deles reclama a destruição do presente por uma causa melhor” (pág-281)? O jovem Raskolnikov julga-se um “guia da humanidade” (pág-280), isto é, capaz de dizer algo novo, mas que “algo novo” seria esse? Nem ele o sabe. Considerando-se acima da condição comum e à maneira dos homens cujos nomes e atos são conhecidos, o jovem necessita de um ato inteiramente seu e que materialize a sua capacidade de se manter acima da lei, ou seja, a grande questão de Raskolnikov é saber se era “verme como os outros ou homem na palavra.” (pág- 435)
Os tipos humanos que surgem neste romance são indivíduos fragmentados, cujos destroços estão imersos nas palavras que têm para contar, expondo mazelas sociais e psicológicas, que revelam seres desgraçados, na iminência de um colapso. Todos exigem vozes e o narrador, fiel a suas criaturas, atende a esse desejo e entrega aos personagens as rédeas da narrativa. É a polifonia discursiva. Não estamos diante de um romance em que podemos proceder à caracterização das personagens pelo grau de importância na trama. Todos são principais, desesperados em iguais parcelas, mas apenas um é o mais corajoso, somente uma das personagens terá a ousadia de gritar mais alto e transgredir o mandamento divino: não matar. Esse é Raskolnikov. Escrito no século XIX, Crime e Castigo continua atual, pois trata de temas intrínsecos ao homem: o erro, a culpa, o castigo e o perdão. Assuntos presentes em todas as épocas, que permeiam nossa cultura ocidental e todos os nossos atos. Afinal, como agiríamos se não nos sentíssemos culpados desde o primeiro dia de vida? O que não faríamos neste exato momento se não existissem leis supostamente superiores a nós, se tivéssemos a certeza da inexistência do castigo? Em suma, será que sobreviveríamos se não acreditássemos que há, de fato, o perdão? Questões cujas respostas, de tão estarrecedoras, não podem ser ditas ou pensadas. Não sem a culpa. E essas indagações, que a história eventualmente suscita, fazem da narrativa uma obra aberta e que satisfaz ao desejo ancestral de toda produção literária: o objetivo máximo de fazer com que o leitor pense e reflita. Um exercício de inteligência.
Referência:
Dostoievski, F. Crime e castigo. São Paulo: Publifolha, 1998 (Biblioteca Folha: Clássicos da Literatura Universal, 5).
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