Porque é que as notícias são como são? (Parte 1)
(Michael Schudson)
Propõe-se aqui discutir explicações provenientes da sociologia, da ciência política, da antropologia, da crítica literária e do senso comum para perceber porque é que as notícias são como são.Exemplo 1Há quase 200 anos que os jornais americanos noticiam a mensagem do Presidente sobre o “Estado da União”, constituindo uma importante recensão presidencial do ano decorrido e uma afirmação política para o ano seguinte. As mudanças verificadas na notícia dizem respeito à forma como ela é apresentada.Em meados do séc. XIX o discurso do presidente era incluído na mesma notícia juntamente com outros assuntos tratados no Congresso, e apresentados segundo a ordem cronológica. O texto era impresso na íntegra e era quase sempre acompanhado por um editorial que lhe era dedicado. A tarefa do repórter era dar um registo estenográfico dos trabalhos do Congresso, não a de dar ênfase aos momentos importantes.Até 1910 o repórter não tinha licença para situar a mensagem no contexto político e histórico. Nos anos 20 os principais jornais do país não só noticiavam o que o Presidente tinha dito na mensagem, mas notaram o que ele não tinha dito.A imprensa sempre dera importância ao presidente e à sua comunicação. O que mudou não foi o reconhecimento da importância do presidente, mas sim a ideia do que devia ser uma notícia e o que devia fazer um repórter. Esta mudança ajudou a construir um novo mundo político que aceitou o repórter noticioso como intérprete dos acontecimentos políticos. A opinião torna-se não-partidária, analítica e apropriada às novas colunas.Exemplo 2Chicago Tribune, Fevereiro de 1979, secção Lifestyle, dois artigos:Primeiro há uma história sobre a preocupação excessiva pela aparência e depois outra sobre a falta de preocupação pela aparência. Há um contraste entre o encanto identificado com a aparência e o encanto existente apesar da aparência. Uma das histórias é sobre uma mulher comum que se sente como uma actriz, a outra é sobre uma actriz que se sente e parece uma mulher comum com gripe.Que nos dizem estas histórias? Porque se encontram na mesma página? Ambas as histórias fornecem um comentário sobre a relação entre aparência e realidade na cultura contemporânea e um comentário recíproco. Porquê? O que faz delas notícias?Exemplo 3 João Paulo II - visita de 37 h a Chicago. Gastou 10 m a visitar Pilsen, subúrbio mexicano-americano. Os jornais locais dedicaram-lhes espaços separados. Mas o que o Chicago Tribune noticiou como um festival, o Sunday Times descreveu como político.Para os leitores do Sunday Times, a paragem em Pilsen foi uma confrontação política modesta, mas aguda. Para os leitores do Tribune, foi uma paragem nem mais nem menos festiva que qualquer outra feita pelo Papa. Como é que o mesmo acontecimento se transformou em dois acontecimentos tão distintos nos dois quotidianos?Exemplo 4 Detroit Free Press, Outubro 1979: Frederick Cummings, director do Detroit Institut of Arts, tinha rejeitado um convite para ser director do Los Angeles County Museum of Art. Ou seja, 25 parágrafos, 1 fotografia, 2 páginas, sem nada ter mudado. O que é que faz desta história uma notícia? Existem três categorias para explicar porque é que as notícias são como são: a acção pessoal - as notícias são explicadas como um produto das pessoas e das suas intenções.a acção social - as notícias são tomadas como sendo um produto das organizações e dos seus constrangimentos.a acção cultural - as notícias são vistas como um produto da cultura e os limites do concebível que uma cultura impõe.A acção pessoalDuas explicações mais comuns são as de que os poderosos directores, uns poucos gigantes, determinam o que é e o que não é notícia, ou que as notícias são determinadas pelo poder dos proprietários dos media e dos editores enquanto classe.Estas explicações têm algumas lacunas. Desde logo, esquecem a “autonomia relativa” dos jornalistas, frequentemente constrangidos pelas opiniões ou preconceitos dos proprietários do jornal. Os jornalistas estão cada menos sintonizados com os pontos de vista dos seus editores.Mesmo onde diferem as opiniões dos editores, pode haver uma grande semelhança na forma e no conteúdo dos seus jornais já que existe uma “cultura” de sala de recepção.Assim, se a explicação baseada na personalidade de alguns poderosos não pode explicar as diferenças através das instituições mediáticas, também uma explicação baseada nos interesses comuns de uma classe capitalista não justifica cabalmente as diferenças. Como explicar, por exemplo, que o mesmo proprietário possua publicações com maneiras tão diferentes de noticiar os acontecimentos?A explicação deve centrar-se, não nas intenções dos editores enquanto indivíduos ou grupo, mas na história de uma sociedade na qual só certas intenções emergem aceitavelmente a qualquer nível das instituições.Segundo a teoria da notícia de Spiro Agnew, as notícias são o que são porque os jornalistas são de esquerda. Também Herbert Gans argumenta que as notícias dos media nacionais (Time, Newsweek, programas televisivos noticiosos, o New York Times e o Washington Post) são o que são porque essas instituições têm tendência para atrair uma certa espécie de pessoas para os seus corpos redactoriais. São pessoas originárias de pequenas cidades, frequentadoras de cursos de ciências sociais e humanas, de mobilidade social ascendente, que partilham os valores e as opiniões de uma classe média superior abastada. Têm opiniões progressistas. Segundo esta lógica, uma notícia escrita e orientada para a classe média superior reproduz-se a si mesma.(ver Parte II no link disponibilizado em baixo em 'Links Importantes')
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