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Kafka À Beira-mar
(Haruki Murakami)

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Um senhor na sua sexta década de vida a escrever sobre o famoso complexo de Édipo num adolescente de 15 anos é, no mínimo, curioso. Mas o que nos surpreende mais é a necessidade que o autor tem de chocar, de atrevimento, ousadia, como se nada mais pudesse ser apelativo numa obra literária.
A década de 60 já lá vai; já lá vai a novidade do nu na arte, do amor e sexo livres, da irreverência como meio para atingir a liberdade. Agora as lutas são outras. No entanto, ainda há uma certa excitação e burburinho quando temas como o incesto e o assassínio de animais são trazidos à baila ?for the sake of art?, ou seja, com o objectivo límpido de chocar, sem outra razão, nem sequer um contexto bem elaborado. O leitor fica chocado, mas não é um choque reaccionário ou puritano, é um choque de quem não percebe como é que aquela-coisa-que-choca apareceu ali, no meio de uma intriga que aparentemente não tem nada a ver com isso. É demasiado inverosímil; é o quê?, uma tentativa de criar um Édipo do século XXI? Mas então onde está a lógica, as ligações genealógicas, o mínimo de factos para que a leitura seja feita sem interrogações constantes de como é que isto apareceu aqui? Estas incongruências saltam-nos á vista, não por serem incongruências, mas por serem um alicerce mal estruturado, que por isso não suporta os desejos de incesto e assassínio que nos surgem pelo meio.
É realmente preferível a velha batalha contra a terrível Moira (leia-se destino), a antiga obra de Sófocles. Pelo menos tudo o que sabemos sobre algo que se passou há mais de 2000 anos é já uma história muito bem elaborada, sólida e em que tanto os factos como a mitologia tiveram tempo de adquirir credibilidade, ou pelo menos de poderem ser apreciados como um belo tratado filosófico. Credível, como qualquer religião...

Duas fábulas paralelas ligadas desde o início. Uma mistura de David Lynch e Kafka, os misteriosos; tudo sob um ponto de vista japonês, sempre a tentar fugir à tradição.
E com um possível ponto de vista Freudiano sobre o amor, como o de Aristófanes n?O Banquete de Platão, referido pelo autor a páginas tantas.
Chegamos à última página com uma sensação de vazio, como se todas as personagens e factos que funcionaram sozinhos em paralelo uns com os outros se tivessem perdido em si mesmos, depois de terem passado demasiado timidamente uns pelos outros. Perguntemo-nos que idade terá o autor de Sputnik, meu amor: porque depois de um esforço tão grande em criar mistério, horror, terror e piedade, ficamos só com uma amalgama de factos por decifrar, personagens perdidas num conjunto de histórias ainda paralelas. Fica a esperança de que se cruzem no infinito...
Mais um romance de mistério em que no final tudo permanece um mistério. Daqueles de vanguarda, cujo objectivo é apenas ser admirado como algo muito à frente da capacidade de compreensão do ser humano.



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