O espírito do ateísmo
(André Comte-Sponville)
_ Espiritualidade para o ateu?_ pergunta André Comte-Sponville.
A pergunta também intriga o não-ateu e, mesmo, o ateu.
_E daí?...continua o autor.
_Daí...ah! Bem..._ responde o leitor, vendo-se diante de um desafio.
A controvérsia “aparente” vai se dissolvendo sutilmente, num discurso simples e lógico, até que se compreende o que é realmente “espiritualidade”: “o poder de pensar a vida, experimentá-la, exercê-la, vivê-la”. A magia do entendimento vem de uma simples cena, comum, de sua experiência, em que se pergunta, numa noite enluarada, vendo as estrelas, vendo a luz do universo:
_ Por que há alguma coisa em vez de nada?
Sem resposta, só o silêncio, o mistério. É a espiritualidade.
Que há alguma coisa ninguém duvida, prossegue. A natureza nos fala. E coloca um paradoxo: o sol que nos possibilita a vida,nos esconde o universo.
Delineia três questões para a metamorfose de nosso pensamento:
_ Pode-se viver sem religião?
_ Deus existe?
_ Espiritualidade para o ateu?
Vai às origens da religião, que definiu o homem-dual: corpo e espírito; paraíso como recompensa para o sofrimento e o pecado (original), mergulhando o ser _ indefeso e carente, no imaginário da ilusão. É o homem que paga, com sua vida e seu dinheiro, a ilusão de um consolo. É a voz de prisão, é o homem fisgado pela sua carência e ignorância, transformado em um narcisista, olhando sempre para o próprio umbigo, balbuciando ( ou gritando) preces de salvação, “com palavras demais, narcisismo demais, o belo não mais que um caminho.”
_ Para ir aonde? _ pergunta.
Na busca do problema inicial, examina a própria condição humana. Aqui estão as iscas_ que foram usadas pela religião: não morrer, encontrar os entes queridos que partiram, viver em felicidade num mundo de paz , justiça e amor. E como ela a compensou? Com o consolo: “vamos ressuscitar, encontrar os seres queridos, habitar um mundo de paz”.
_É bom demais para ser verdade!,completa o autor.
Define o termo “religião” _vem de “religare”= acolher, reler_ mito, texto, ensinamentos ( repetidos há dois mil anos, amor a uma palavra, Lei_livro. Basta ler e obedecer, deduz . Ela liga as pessoas entre si em torno de uma ilusão e constrói a trama da vida, que gera o “justo” e o pecador”, com a perspectiva do inferno, encenando aos vivos um perigo fantasmagórico , impondo a fé pela força, que derruba ou esmaga o viver ou o anula com a esperança.
Afirma que não há prova da existência de Deus_ ele existe apenas por definição. É só questão de crer ou não crer. É como pedir para provar a existência do papai Noel, do vampiro, da fada...E se Deus existe, são “eles” que têm que provar. Resume o processo: _E como provar algo em escala infinita?... se ninguém a escuta resposta.
_ Esse silêncio é o silêncio da escuta ou da inexistência?
Além do mais, não é preocupação para o ateu _ que doma o nada, que se importa com a vida, não com a morte. Que vê a razão, o conhecimento como fonte de paz.
Viver sem religião é exercer a liberdade. É espiritualismo. A ignorânc ia não leva à liberdade. É o conhecimento_ com seus erros e acertos, a laicidade que liberta o espírito, defende em seu discurso.
Acabou-se acreditando que religião e espiritualidade são sinônimos. Não são. Basta recuar aos gregos, ao budismo, ao Confucionismo, ao zen, enquanto eram filosofias( hoje são religiões).
Dá para negar a espitiritualidade num haicai? Pergunta, citando um:
“Corto a lenha
Pego a água
É maravilhoso.
Numa síntese filosófica, com argumentos, com o contato com o pensamento filosófico, com o do sábio e com o das filosofias de vida pode-se entender o que ele quis dizer com espiritualidade para o ateu:
“ A dor do mundo é o aprendizado do ateu, o agora é a sua eternidade”.
O ateísmo nega a introspecção. Não há vida interior a não ser para a tristeza e o tédio. Há o mundo, a vida, o amor, a fidelidade aos ideais, ao conhecimento. Medita para ouvir o silêncio do pensamento, a serenidade_ sua principal vitória.
Ainda parece estranho? Repete-se. “Espiritualidade é vida do espírito: uma coisa que pensa, que ama, que zomba, que faz humor...”O espírito é poder pensar, é um ato que se manifesta pelo cérebro. “Espiritualidade é ação, é viver a vida, exercê-la, diante do infinito”.
Três perguntas e três respostas, filosoficamente pensadas, encerram a sabedoria do ateu_ e sua liberdade:
_“Um Deus? Para quê? _O universo basta.
_Uma fé? Para quê? _A experiência basta.
_Olhe o céu em uma noite clara... sinta o mistério.
E cita Nagarjuna: _”...enquanto você vê a diferença entre o sansara e o nirvana, você está no sansara”.
Quando se encerra a leitura, após alguns silêncios, podemos afirmar:_o ateu é espiritual. Valeu!!!
“A luta pela Luzes continua, urgente, e é uma luta pela liberdade, unida à fidelidade, comunhão, amor e espiritualismo”, finaliza o filósofo André.
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