O Despertar da Besta!
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Era uma ensolarada tarde quando Sofia saiu para lanchar na casa de sua amiga, Beatriz. O que ela pensava no caminho? Nas flores roxas do ipê-roxo? No vestido que usaria domingo, ou no gosto estranho do nariz daquela bruxa que ela sonhou mordendo e arrancando um tampo? Não! Ninguém sabe o que pensa uma garota de onze anos... Só sabemos que algo muito estranho lhe acontecera quando, minutos depois, chegou na casa da amiga: Seu apetite havia desaparecido! Lembrava bem ter sido ela quem fizera a sugestão de um lanche “de arromba”, e não havia nada gostoso para se comer em casa; mas agora, com o lanche pronto sobre a mesa, o apetite DESAPARECERA! Foi quando Bia, da mesma idade, teve a brilhante idéia:
_ Vamos procurar ele! Se você perdeu o apetite no caminho, ele não deve estar longe!
As duas não pensaram muito e refizeram o percurso. Possuíam a solenidade de crianças brincando e um ar maroto de quem procura não-sei-o-quê. Na esquina, encontraram um menino chorando. Bia o interpelou:
_ O que aconteceu?
_ Buáá! Roubaram meu sorvete!
_Quem?
_ Não sei! Só vi um vulto passando! Quero minha mamãe!
_Vamos, Sofia, rápido!
De mãos dadas, sobre sandálias de saltos enormes, as duas correram até a porta de uma lanchonete. Ali, uma confusão havia se instalado: cadeiras viradas, prateleiras derrubadas e clientes indignados no balcão. Algo monstruoso havia devorado os sanduíches, sorvido os milk-shakes e acabado com as batatas-fritas... Um cliente descrevia o monstro. Parecia uma criança gorda, com dois metros de altura e o rosto cheio de espinhas. Olhando para Sofia,o cliente disse:
_ Parecia com essa garota, mas enorme, gorducha e meio transparente!
Todos olharam para Sofia, agora envergonhada, quase confessando ser a culpada. Bia lhe arrastou pelo braço e tentava consolar a amiga no caminho para casa.
_Não fique assim, amiguinha! O apetite sempre volta. Acredite. Vamos ficar quietas e ver Tv, e não comente nada!
Entraram sorrateiras, subiram para o quarto e ligaram a TV. Em todos os canais, repórteres alertavam sobre o estranho monstro,crescendo a cada instante. Quanto mais comia, mais fome tinha. A Tv mostrava lanchonetes destruídas, supermercados arrombados, restaurantes em pândegas... alguém filmou o monstro sobre uma feira-livre, feito um redemoinho, destruindo barracas de frutas e legumes.
_Ai! Vou ser expulsa do colégio, no mínimo! – Sofia estava inconsolável e ficou mais ainda quando viu um retrato-falado do seu apetite, agora em monstro transformado e parecendo com sua tia-avó que a mamãe dizia ser a sua cara, quando menina.
_ Eu não sou desse tamanho todo!
_ O apetite só é pequeno dentro da gente, Soft! – Bia ajeitava os óculos e tentava imitar a professora Dagmar. – Ele tem o nosso tamanho.. Só para de crescer quando nós também paramos. Parece que ele, fora do seu corpo, vai crescer até furar o céu e comer a lua feita de queijo!
_ Buáá!! !
_Espere! Olhe aquilo na TV.
Na tela, um repórter percorria o que sobrara de um shopping depois da passagem de “Fome-Zero”, como batizaram o monstro. Fome-Zero havia mudado muito após abandonar sua dona e começava a deixar de ser humano, se transmutando em apetite de outros seres. Virou apetite de cupim e comeu as prateleiras, de traça e roeu as roupas, de barata e comeu porcarias impronunciáveis. Nesse exato instante, ele era o apetite de um tatu (de hábitos necrófilos) indo direto ao cemitério. Sofia quis vomitar. Bia a conteve:
_ Não faça isso! Vai que os filhotinhos dele estejam aí dentro de suas tripas! Não podemos arriscar!
Na Tv apareceram tanques e aviões. Convocaram as forças armadas para destruir Fome-Zero. Caças zuniam e ruas eram evacuadas. Bia entrou em pânico:
_NÂO!!! Se matarem ele, você nunca mais comerá nada! Vai secar tanto que ficará parecida com um cipó!
Sofia pensou que não seria tão triste se parecer com um cipó, mas teve medo de morrer e correu para casa. Bia a conteve:
_ Tive uma idéia! Vamos capturar ele. Diga-me, rápido. Qual é o seu prato favorito?
_ Hum! Deixa ver!!! As rabanadas da Vovó Henriqueta!
_ Ligue para ela e peça um prato de rabanadas bem saborosas.
_Mas não é Natal, ainda!
Coincidência maravilhosa, Vovó Henriqueta havia acabado de fazer rabanadas. As duas voaram para a casa da vovó, desviando as bicicletas das barreiras do exército. Tentaram explicar o que estava acontecendo mas a vovó nada entendia e pensou se tratar de alguma gincana. Bia colocou um prato de rabanadas sobre a janela da cozinha, ligou um ventilador sobre elas e sussurrou:
_Preste atenção! Concentre-se nas rabanadas. Quando você sentir uma vontade irresistível de comê-las, é o seu apetite voltando. Engula todas as rabanadas e fique de boca fechada até a hora da novela! Entendeu?
Sofia aquiesceu. Volutas de canela se espalhava no ar. Junto com as sombras da noite caindo, uma forma discreta flutuava na brisa e se aproximava da janela. Algo escuro e viscoso pareceu envolver o prato. Sofia não hesitou e engoliu de uma vez as rabanadas.
Nunca mais se ouviu falar de “Fome-Zero”. Para sorte de Sofia, pouco antes de chegar ao cemitério, seu apetite se transformara em fome de abelha e resolvera comer as flores de uma floricultura vizinha. Assim é que hoje, quando conversa ou cantarola, Sofia espalha no ar uma fragrância de cardos, crisântemos e açucenas e tem ganho disparado todos os concursos de rainha da primavera!
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