Resumo de Coração QUE SE ENREGELOU - José William da Silva

Cartas esquecidas é o titulo de uma serie da cartas sobre sua amada. No úmido destas himbernossas tardes paulistas, tenho suspirado por acalentar-me a tepidez de tua juventude tropical. Não imaginas com é cruel o frio ao coração dos velhos, principalmente, a mim, visionário do passado, eterno evocador dos dias de sol que já se anoiteceram na minha alma...Trazem-me estas tardes de São Paulo a lembrança de tantos corações que se esfriaram, assim, de repente, em plena estação calmosa. Que coisa amarga é o inverno do amor, o enregelar-se de um coração que se cansou de amar! Quantos não tive eu, como chamas, em minhas mãos, e que depois, gelados, me fizeram tremer à distancia...Ninguem foi mais iludido do que eu; olhos nenhum viram mais sinceridade do que os meus, ainda quando a hipocrisia chamejava nos olhares cúpidos e traidores das suseranas do meu afeto. Recordo-me do ultimo sarau em nossa velha e esquecida casa senhoril...Eu tinha dezoito anos, o que importa muito, pois, é a quadra de todas as generosidades e de todos os sacrificios, pelo menos no homem; na mulher, não sei...Ela teria menos, uns dezesseis anos se tanto. A noite inteira passamos juntos, a embeber-nos de maor, olhos postos dentro de cada olhar, esquecidos da vida, em pleno sonho, envotos pela mais fragil e dourada das ilusões. Tuserás só meu...Sim, só teu, únicamente para o teu amor...Mas vais deixar-me...Deixar-te? Vou apenas estudar e dentro de cada letra, na estensão de cada palavra, no menor dos sons, no mais exígno átomo de beleza, tu vibraras na minha lembrança, dentro de minha saudade. Tu, sim, meu idolo, é que me poderás esquecer, aqui, onde a tua formusura desperta admiradores nos próprios espinhos que te querem ferir, por amar-te...Eu esquecer-te? Juro pelas estrêlas que nos ouvem, pelo Deus que trago neste colar. Como sabem mentir os lábios da mulher enganosa! Desculpa-me Eugênia, mas, é a verdade. Penso que dentre todas do mundo, uma só não mentiu, não enganou; minha mãe. Anos depois, nas ferias de julho, numa noite fria, tal como as de São Paulo, encontramo-nos de novo, num lindo sarau de arte, em casa amiga. Procurei-a. Recebeu-me, assim, como nos recebem as noites de inverno, em plena rua deserta; friamente. Apresentou-me o seu noivo e falou pedantemente, perguntando-me dos meus estudos. Disse-lhe que iam muito bem, com especialidade em asrtronomia, pois qua as estrelas me eram de grande consolo, verdadeiras confidentes. Descobriu logo do meu alvo e com o maior sinismo discorreu acêrca do perigo de fitar as estrelas. Depois, como o noivo lhe perguntassse se me conhecia de muito tempo, explicou-lhe que não, apenas de véspera, apresentado por uma amiguinha comum. A orquestra iniciou uma valsa qualquer e ambos, para alivio meu, saíram dançando com infinita placidex. Nunca senti tanto frio como naquela noite e pareceu-me que áte hije o sinto, êsse frio apertar-me o coração. Já reparaste em certos tipos que vivem de continuo encapotados, termendo sempre, sem jamais encontrarem calor que os aqueça? Tenho neles outros companheirosmeus, amantes sinceros que viram, numa noite de inverno, enregelar-se algum falso amor, algum falso coração. Fica-lhes depois êsse frio tão entranhado na alma, que a menor ocilação de temperatura lhes basta para sentir contrafeita a existência, obscurecido o mundo, detestavél o viver. Nenhum outro caminho consegue reconfortar o coração que descreu, nem mesmo êste amor divino que Cristo veio trazer a Terra. Quase meio século já se foi que Frade me fiz e por Deus me suicidei; entretanto, nas tardes melancólicas dêste clima paulista, quando uma garoa tinge de cinza a celagem fatal do céu que nos espia carrancudo e mal, sinto como uma ponta de gelo, no íntimo do coração, renascer-me a recordação cruel dessa noite em que ela me desconheceu e por outro, mais rico, talvez, me substituiu, na venalidade de sua alma sem dó nem amor. Hoje estou assim, trêmulo e frio, tiritando e sem gisto, sem coragem até para suster a pena amargurada com que te escrevo. É a ponta de gelo que já me aguçou, que já me fez sentir, mais dolorosa agora, pois que mais velho e sentimental, mais sensível e afetuoso, todo me contristo e em magoas me desfaço no simples aceno do inverno. Responde-me logo para que eu me acalente, me escalde no braseiro das tuas ilhusões de moça, que ainda acredita na sinceridade do verbo amar.

Resumos Relacionados