“Compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem dificuldades passar 100 anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se entediar.”
Essa frase traduz perfeitamente a exploração do absurdo, conceito que caracterizou o escritor Albert Camus. O personagem principal do romance mergulha num mundo sem emoções e sentimentos, e é a carência de sensibilidade que se transformará na própria arma que o tornará vítima da justiça. Entretanto, nem mesmo a máquina judiciária o fará mudar de comportamento.
A obra de Albert Camus surge para tentar contrariar o conceito de que a arte é a manifestação dos sentimentos do ser humano. A inexistência de emoções leva o personagem a um vazio interior, causando uma profunda resignação no leitor. É impossível não sentir um mal-estar diante dessa frieza. Contudo, analisando a obra pelo lado do realizador e não na visão do personagem, é incrivelmente bem sucedida a maneira de conduzir o leitor a uma reflexão existencialista da vida. Resumindo, Albert Camus é um verdadeiro artista na concepção da palavra por mexer com os sentimentos do leitor, mesmo que esses sentimentos sejam de total repugno diante da leitura.
Mersault, o personagem central, jamais seria um artista pelo fato de ser totalmente dominado por um vazio, por uma crise existencial que ultrapassa as fronteiras da compreensão humana. Desde a notificação da morte da mãe, passando por um ato homicida até a confirmação da condenação, ele age da mesma maneira. Essa indiferença não se faz presente somente nesses fatos, os mais importantes dentro da trama, mas também em outras situações elementares e relacionamentos de menores relevâncias. O absurdo existencial do personagem procura conduzir o leitor a uma identificação com essa experiência, a mergulhar num mar vazio, onde a essência da vida é simplesmente viver. Por outro lado, a análise do trabalho como “arte” reside na capacidade de modificar o comportamento do leitor, ou o mesmo se adere à crise existencial ou repudia a conduta, repúdio que poderá comprometer a própria relação com o autor.
Talvez seja esse conflito que Albert Camus queira estabelecer em nossas vidas, a visão de que somos nada mais do que simples animais irracionais em nossa singela existência, que a morte nada mais é do que uma conseqüência natural da vida, e que os sentimentos e a racionalidade não podem prevalecer diante de qualquer circunstância.
José Donizetti Morbidell
Jornalista
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