Novos contos da montanha
(Miguel Torga)
Descobri Miguel Torga na adolescência, numa livraria que o Gabinete Português de Leitura mantinha no térreo, na rua do Imperador, Recife. Entrava-se pelo oitãozinho depois de cruzar um pesado portão de ferro: tudo fazia sonhar com becos de Portugal.
Não lembro o nome do livro nem nada. Lembro apenas que tive que catar uma faca na cozinha para abrir as páginas; e só essa experiência, lúdica por si, me fez levar o nome de Torga na alma, indelével, por décadas, sem encontrar um só exemplar nas livrarias, muito menos alguém que o conhecesse. Até que recentemente a Biblioteca Multicultural Nascedouro, em Peixinhos, Olinda, foi escolhida como ponto de leitura pelo Ministério da Cultura, e recebeu uma fantástica doação. Eu, louco por livros, desde que me entendo por gente, quase enlouqueço: Autran Dourado, Clarice Lispector, Gaston Bachelard, Mario Quintana, Guimarães Rosa e...
...Miguel Torga! O trato com a língua, a melodia da escrita, a humanidade que permeia seus enredos quando, por exemplo, fala do assassino, no conto O Alma-grande, personagem que encarna a eutanásia por dever de ofício e para serventia da aldeia; o trio do conto A festa, o pai, a mãe e a filha tecendo expectativas diversas para a festa da padroeira e amargando, ao final, um vazio de dar dó; em Teia de aranha, o tio desaparece como por encanto, sem marcas de luta ou violência, roubo, tudo nos seus lugares, até que a morte é aceite e passamos a seguir o insuspeito "sobrinho", até a morte deste...
É magistral.
O vocabulário, em bom e puro português d'além-mar, nos obriga a manter o dicionário ao lado, só aumenta o prazer: se é um legítimo Torga, vale mais que um habana, um zippo, um jack daniel's, um miles&coltrane, em bom volume.
E tudo se equivale em prazer estético, sensorial.
***
Novos contos da montanha,
Miguel Torga,
Editora Nova Fronteira, RJ, Brasil
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