Explosão das manhãs
(Lourdes Sarmento)
O velho fichário ainda lá, gavetinha com fichinhas de papel. Eu, trêmulo de ressaca, excesso de cafeína e ansiedade. Procuro a letra S de Sarmento, Lourdes. Entrego ao atendente, que me manda esperar na sala de leitura, fico mais nervoso: finalmente, 3 décadas depois vou reencontrar, tocar, cheirar, reler Explosão das manhãs. A cena realmente aconteceu. Biblioteca do 13 de maio, fins do ano passado, apesar dos avanços da informática, o velho ficário ainda remete a Todos os nomes, de José Saramago...
Mas, voltando ao assunto Lourdes Sarmento, lí nos turbulentos e inseguros anos da adolescência. Foi pra mim quase que literalmente um tapa, me fez rasgar rapidinho os cadernos de súplicas apaixonadas, típicas da idade e da vida de um solitário moleque suburbano. Comecei tudo de novo, do zero. Lourdes Sarmento me deu o caminho, a vara e o peixe, com textos como:
O presente
Quando as horas passarem
tocarei guitarra,
e se morrer
desconhecido ao canto
rasguem o meu ventre
e deixem cair meus poemas ao chão.
Fica claro o fino trato com a palavra, a construção, desenho, ritmo, tudo revestido e envolto com o manto da elegância, do forte sentimento de entrega ao poema, como profissão de fé.
A edição disponível para consulta na Biblioteca Pública Estadual de Pernambuco, data de 1973. Luxos do volume: Corbiniano Lins assina o desenho da capa, Sílvia Pontual, as ilustrações.
Mais um pouco da literatura dessa mulher que mudou minha vida, influindo no meu fazer literário:
O instante
Vou fazer uma estrela
para acender a noite
e dar-te o meu instante
com a explosão das manhãs.
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