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A noite [O pesadelo]
(Guy de Maupassant)

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Aviso: a análise que se segue pode revelar informações sobre o final do conto. Essas informações são, todavia, pertinentes à análise que se pretende desenvolver e a meu ver não prejudicam a leitura do conto.

Um homem com gosto pelo sortuno, pelo obscuro e pelo solitário, perdido em uma cidade adormecida sob um céu carregado de núvens em um mundo que perdeu seu tempo. Esse é o cenário do conto “A noite”, de Maupassant. O conto é sobre um homem que confessa amar a noite de Paris. Todavia, em uma dessas noites ele nota algo estranho: as ruas estão desertas demais. Com o passar das horas elas vão ficando cada vez mais vazias até que não sobre ninguém na cidade. O próprio tempo se mostra ausente e o relógio do protagonista para de bater. O protagonista julga então que a noite tenha se tornado eterna e que o dia jamis vá anscer e se desespera, culminando no final misterioso do conto.

Em muitos aspectos semelhante ao que tradicionalmente se definiria como um conto fantástico, “A noite” também sem mostra diferente, apresentando características próprias que podem problematizar sua análise. Quanto aos elementos que o assemelham a um conto fantástico, pode se citar o clima soturno no qual o leitor é bruscamente arremessado desde o primeiro parágrafo. O conto se inicia com uma descrição da noite, preferida pelo protagonista que assim ressalta as belezas e prazeres noturnos. Sendo a noite culturalmente relacionada ao perigoso, ao proibido e ao misterioso, esse início do conto é suficiente para pôr o leitor atento e para criar uma sensação de suspeita que o acompanhará por toda a leitura.

O narrador em primeira pessoa também é típico do gênero fantástico e contribui para criar o clima de tensão presente no conto. Todavia, é interessante notar que esse narrador não se constitui como um “narrador confiável”. Isso ocorre porque parece haver um tom excêntrico em sua voz, na maneira como ele narra. Principalmente no início do conto, o texto é carregado de repetições e frases misteriosas e aparentemente desconexas de seu contexto, pronunciadas pelo narrador e que parecem não conduzir o leitor a lugar algum. Essas palavras revelam seu sentido e propósito após o término da leitura do conto, no entanto no primeiro contato com elas o leitor pode experimentar estranhamento e suspeita, como sugerido acima.

Quanto às características que problematizam sua análise, pode-se apontar o fato de a tensão do conto se atenuar a medida que ele prossegue. O conto inicia-se com um nível de tensão alto, progride fazendo com que a tensão caia e termina levantando-a novamente. Isso é interessante pois pode-se até sugerir que não há nada de fantástico ocorrendo no meio do conto: apenas um homem vagando pela noite, um pouco neurótico é verdade, mas fora isso nada anormal a ponto de caracterizar a ação como fantástica ou suspeita. Em seu decorrer o conto começa um movimento de modo a pender mais para o lado do estranho do que para o do fantástico e isso é particularmente curioso nele.

Todavia, em seu final esse movimento se inverte e o conto termina com um típico final fantástico, inclusive muito semelhante ao final de “O Horla”, do mesmo autor. O narrador conta estar perdendo as forças e diz que sente que vai morrer, concluindo o conto sem dar explicações do que acontece depois. É relevante ressaltar que do ponto de vista de estruturação da trama o conto apresenta um problema, muito parecido com outro problema constituinte do conto “O papel de parede amarelo”, de Charlotte Gilman. Basicamente, “A noite” é um homem relembrando e contando ao leitor o que se passou com ele, ou seja, o relatado é passado e, arrisco dizer, já ultrapassado pelo narrador-personagem. Todavia, no final do conto o narrador chega a quase narrar sua morte e a ausência de maiores explicações chega até a sugerir essa morte. O problema do conto constitui justamente nisso: como pode um narrador que relembra fatos passados e os conta a um leitor narrar ou sugerir a sua própria morte? Talvez seja aí que reside o fantástico do conto.

O próprio narrador reconhece essa incosistência e a expõem ao leitor, que no entanto não a reconhece e a ele parece apenas que o narrador está apenas tendo devaneios. Aí reside o fantástico do conto, não no enredo propriamente narrado, mas na condição do narrador, narrador esse que sugere estar morto mas que ainda assim é capaz de narrar sua história.



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