No teu deserto
(Miguel Sousa Tavares)
"Esta história que vou contar, passou-se há vinte anos. Passou-se comigo há vinte anos e muitas vezes pensei nela, sem nunca a contar a ninguém, guardando-a para mim, para nós que a vivemos. Talvez tivesse medo de estragar a lembrança desses longinquos dias, medo de mover para melhor expor as coisas, essa fina camada de pó onde repiousa apenas adormecida, a memória dos dias felizes.A verdade, é que agora me sento para te escrever, reparo, mas sem nenhum espanto nem estranheza, que não preciso de inventar nada: lembro-me de tudo, exactamente tudo, cada sorriso, cada amuo. Às vezes aconcete-me esta coisa curiosa, quando olho para trás através dos anos: lembrar-me de todos os detalhes - até daqueles que na altura achei que não teriam nenhuma importância.Mas nesta viagem, eu lembro-me exactamente quando foi e que idade tinha: tinha trinta e seis anos, e lembro-me por isso mesmo porque foi o ano da minha vida em que me senti mais novo. Nem aos vinte e cinco, nem aos vinte e um, nem aos dezoito. Foi aos trinta e seis anos de idade que me senti eternamente jovem, quase imortal, ou mais arrepiante ainda, indifertente à própria ideia de mortet.Como tantos outros, procurei sempre encontrar um significado mais grandioso, ou simplesmente mais humano para aquela linda frase de que morrem jovens os que os deuses amam. Para que não queira antes significar a crença terrivel de que os deuses só amam os que morrem jovens, assim como bestas desumanas que se alimentam da joventude ceifada ...."
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