À PROCURA DE LUZ
(NELSON PASCARELLI FILHO)
Meu psicanalista, Doutor Coutinho, que me atendeu por 3 anos, na fase mais crítica de minha vida, morreu subitamente. Foi péssimo! O quanto de mim meu psicanalista levou para a sepultura? No ano passado resolvi rever o local onde ele atendia, ficava na Rua Frei Caneca. Ao chegar lá, a clínica tinha sido demolida, e, em seu lugar, construíram um estacionamento. Fiquei mal, muito mal. Desci a Frei Caneca olhando sem foco a paulicéia cinza, e, no caminho, um mendigo bêbado provocou-me, chamando-me de filho-da-puta. Dei uma surra nele e, enquanto eu o espancava, eu dizia: - você está apanhando porque meu psicanalista morreu, entende? Eu sou filho-da-puta mesmo! Em voz ébria, cuspindo sangue, o mendigo perguntava-me: - o que é psicanalista? - Não me pergunta nada que você apanhará mais! - Tem dó de mim, tem dó de mim! Clamava o fétido moribundo. Desci a Frei Caneca até ao Centro de São Paulo, decidi ir ao bar do Léo comer os deliciosos petiscos. Aos poucos, a minha sanidade mental pedia-me permissão para retornar ao seu tabernáculo. O radinho engordurado do balconista tocava uma canção assim: Esses moçosPobres moçosAh, se soubessem o que eu seiNão amavam, não passavamAquilo que eu já passeiPor meus olhos - por meus sonhosPor meu sangue - tudo, enfimÉ que eu peço - a esses moçosQue acreditem em mim Que eles julgam que um lindo futuroSó o amor nesta vida conduzSaibam que deixam o céu por ser escuroE vão ao inferno à procura de luzEu também tive nos meus belos dias Essa mania e muito me custouPois só as mágoas que trago hoje em dia Estas rugas que o amor me deixouCom voz galante, o locutor disse: - saudoso Lupicínio Rodrigues cantou “Esses Moços, Pobres Moços”Saibam que deixam o céu por ser escuro.E vão ao inferno à procura de luz.Saibam que deixam o céu por ser escuro. E vão ao inferno à procura de luz. Saibam que deixam o céu por ser escuro. E vão ao inferno à procura de luz... Estes versos ficaram a martelar em minha cabeça. Paguei os petiscos e saí. Estava ainda mais atordoado, com as mãos frias e a boca seca. Vaguei a esmo entre as Avenidas Rio Branco e São João. Perguntava-me: - será que deixei o céu por ser escuro e fui ao inferno à procura de luz? Num prolapso de tempo, resquícios de humores afetivos, todos eles mal resolvidos, se apresentaram diante de mim.- Por que você morreu sem me avisar, Coutinho? Por quê? - Vá para casa! Obedeci sem questionar. Antes que a Paulicéia-Amorfa me devorasse ainda mais e tornasse a minha vida sem mim, rumei para o lar materno em busca de um útero-úmido, morno e escuro. Qualquer útero que eu encontrasse estaria de bom tamanho para acalantar e reconfortar o tabernáculo da minha razão tão pulsional, tão pulsional... etérea e frágil. Qualquer útero, qualquer útero...
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