Risíveis Amores
(Milan Kundera)
O escritor tcheco Milan Kundera publicou, em 1970, o livro de contos “Risíveis Amores”, estórias de amor, atração e teorias que refletem algo que o ser humano idealiza: a convicção de que sustenta a capacidade de manipular todas as circunstâncias de seus atos e desejos. Os sete contos têm como enredo o amor, mas apresentam como substrato o engano que, como partícula mínima, quase impensável, frustra nossas conquistas ou posição de destaque que acreditávamos ter em mãos. A realidade quando confrontada por um novo rumo revela que a incomunicabilidade era a barreira que nunca foi transposta, nem mesmo mencionada. As personagens pensam deter os segredos da boa arte de seduzir ou da vida: Martin de “O Pomo de Ouro do Eterno Desejo”, Eduardo de “Eduardo e Deus” ou o professor Klima de “Ninguém Vai Rir” que defendem pontos de vista, comportamentos ou auto-indulgência com suas intenções ou crenças. Nas perspectivas dos romances que desvelam o equívoco e o absurdo pode-se citar, “O Jogo da Carona” e o próprio “Eduardo e Deus”, nos quais os amantes a partir do momento em que assumem uma persona distinta por brincadeira ou por interesse carnal se veem diante de pessoas diferentes das quais julgavam conhecer integralmente. A falta de comunicação e a ilusão abrem cortes que não se cicatrizam, ambas criam máculas num espelho que se considerava cristalino. Mas tudo parece fruto de um conceito que gera a forma que enxergamos o outro, até que a realidade prove ou insinue o contrário. O equívoco é subsidiário da vontade da certeza e do desejo corriqueiro (e aprisionador) de agradar. Os fortes e tidos como professores, como o Martin de “O Pomo de Ouro do Eterno Desejo” e o Dr. Havel, personagem de dois contos, “O Simpósio” e “Doutor Hazel Dez Anos Depois”, dão palestras sobre a melhor abordagem ao sexo feminino, como seduzir sem correr o risco da recusa, concedem lições sobre o melhor modo de ser um bon vivant e avaliam as escolhas de amigos, pupilos e admiradores. Homens que carregam o afã de sucesso com seus flertes, suas ambições ou brincadeiras. As mulheres são provavelmente seus termômetros, motivos de aflições ou de enlevo. A imagem que se tem (dos outros) ou que se constrói (sobre si) é uma linha fina que pode se romper com um leve balançar.
Milan Kundera é um escritor que edifica mal-entendidos e personagens que por profundos que sejam (na ideia que elaboram sobre si mesmos) afundam num pântano que contém em seu lodo tanto a prepotência quanto a insegurança.
Como escreve o sociólogo Zygmunt Bauman, “Em si mesma a união sexual é de curta duração na vida dos amantes, é um episódio”. O episódio é uma porção de fragmentos que compõe um painel que foge aos nossos olhos. Kundera conclui que nenhum episódio está a salvo de suas consequências. A insegurança paira como ameaça perpétua, assim como a incerteza. Ela – a incerteza – pode até ficar suspensa por tempo indeterminado, porém será sempre um “espectro” arredio e cansativo, como se se postasse sobre os ombros dos amantes. Kundera escreve frases marcantes que revelam esse mundo, o nosso, de individualismo, falsas convicções e coragem que alimentam o ego num turbilhão de episódios que se negam a configurar o sentido que imaginamos (ou manipulamos) para eles.
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