Fughetti Luz
(Gilmar Eitelvein)
Na mesma linha do trabalho de pesquisa de Charles Gavin, dos Titãs, e Marcelo Fróes, da revista International Magazine, o jornalista Gilmar Eitelvein faz o resgate da trajetória e da obra de um pioneiro e um dos grandes criadores do rock gaúcho e brasileiro: Marco Antônio Figueiredo Luz. Vitimado aos três anos por um surto de poliomelite supera a doença, recuperando todos os movimentos. Pelo temperamento inquieto, ativo e rebelde, recebe na infância o apelido de foguete, que adota como pseudônimo artístico: Fughetti Luz.
Em Porto Alegre (RS), cresce entre os recantos — praças, escadarias e jardins — da Vila do IAPI. O que contribui para a formação da sua personalidade, de amor à vida e a arte, e para a superação da própria diferença. Nesse mesmo aprazível e arborizado conjunto habitacional — inspirado no conceito arquitetônico de cidade jardim, que prevê o equilíbrio entre espaço edificado e ambiente natural — viveu também Elis Regina, uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos.
O autor alterna a narrativa com depoimentos de Fughetti, e encerra com uma entrevista, dando voz ao biografado. Do texto emerge uma personagem singular e rica. Pelo despreendimento e, ao mesmo tempo, autenticidade e coerência com que se conduziu em tempos sombrios de ditadura, de cerceamento às ideias e ao próprio exercício da liberdade. Em contrapartida, tempos de ativismo libertário e resistência a esse ambiente repressivo.
Ainda criança, já gostava da nova música brasileira que surgia mas não pôde deixar de se encantar com o fascínio do rock'n'roll de Elvis, Little Richards e Chuck Berry, que ouvia nos discos do irmão mais velho. Autodidata, passou a reproduzir as melodias simples, de poucas notas e acordes, no violão que carregava sempre consigo mesmo antes de saber tocar. Participando das rodas de som no bairro se aproxima dos amigos com os quais vai compor o seu primeiro grupo, o Liverpool Sound, em 1965.
Tendo como pano de fundo um panorama geral do movimento musical no período em Porto Alegre, e também no Brasil e no mundo, o autor prossegue na descrição das marchas e contramarchas de uma banda de rock — um gênero por si mesmo contestador e provocador de rupturas — buscando encontrar o seu caminho e uma voz própria. Com uma proposta já amadurecida se insere no então nascente e vanguardista movimento tropicalista, que combinava a música brasileira com a absorção antropofágica do pop-rock internacional. Após a dissolução do Liverpool, em 1973 — e uma aventura hippie de Fughetti por mais de um ano pela Europa, onde nasce Shanti, sua única filha —, a banda se reorganiza como Bixo da Seda, e parte para uma levada de rock inglês, num mix de influências, próximo do progressivo. Por fim, já em carreira solo, faz um trabalho mais de compositor, conectado a várias outras bandas e músicos de Porto Alegre, tais como: Voo Livre, Taranatiriça, Bandaliera, Guerrilheiro Anti-Nuclear; e Duca Leindecker, que transcreve as músicas para as partituras publicadas no songbook. Além de seus velhos companheiros da Vila do IAPI, do Liverpool e Bixo da Seda: Mimi Lessa, Marcos Lessa e Edinho Espíndola. Nessa altura, Peko Santana, o Pepeko — guitarra-base no Liverpool e nos primeiros tempos do Bixo da Seda, dando importante contribuição na formatação do som do grupo — já tinha abandonado a carreira e se retirado para um sítio em Viamão, nos arredores de Porto Alegre.
Nesse intinerário de luta pela própria integridade como indivíduo e como artista, Fughetti se mantém original e único, mas buscando a interação com o coletivo. Um artista popular, oriundo da classe trabalhadora, no enfrentamento permanente com a poderosa e esmagadora engrenagem do showbusiness. Pelo talento e criatividade, alçando voos no rumo do mainstream: transitou entre o underground e programas de TV, como Som Livre Exportação, da Rede Globo, em 1972, onde se apresentam junto com Ivan Lins, Gonzaguinha, e a própria Elis Regina. Mas se insurgindo sempre contra suas estruturas. Sem abrir mão da crença na possibilidade do sonho, da imaginação e da alegria de viver, embalada pelo rock'n'roll e aditivada pelas drogas.
Como os cabeludos ingleses dos bairros operários de Liverpool, cidade portuária que deu o nome definitivo a sua primeira banda. Fenômenos típicos da Contracultura: a rebeldia e o inconformismo da juventude contra a onda conservadora que invadia o planeta, a partir do pós-guerra, movida pelo processo de reconstrução material e reacomodação do Capital. Onda essa que se abateu com muito mais peso — ainda mais opressora e excludente — sobre os povos periféricos, o chamado terceiro-mundo, por razões óbvias.
"Mais inca do que espanhol", se autodefine o roqueiro. Psicodélico até a medula, Fughetti — ao contrário do que possa parecer — expressa muita lucidez na sua fala. Se recusa, por exemplo, a uma apologia das drogas, que vê como uma opção estritamente individual. Critica o mercantilismo que predomina nesse universo hoje, diferente do fenômeno cultural — instrumento de expansão da consciência e contestação social, e até política — que representou no passado. Mostra convicção e clareza na sua proposta estética: "...Trazer o rock'n'roll para o movimento que ele tem, fazer com que a palavra flutue com a música. Não ficar retalhando, e também não ficar rimando: acabar com a rima, trabalhar a palavra com a expressão dela..."
Ao par da leitura do livro, uma audição atenta do disco que o acompanha poderá colaborar para uma melhor compreensão dessa sua busca. Do seu carisma, e da consagração junto ao seu público.
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