Sulcos do teu Arado
(Benoît de La Reine)
O adjectivo correcto é surpreendente. Surpreendente não só pelo arrojo como pela contundência com que em “ Sulcos do teu Arado”, Benoît de La Reine zurze na esclerosada cultura machista que ainda predomina no mundo agora dito globalizado.
Começa a fita a correr e perante os nossos olhos desdobra-se um lençol de verde buliçoso que conforme se aproxima de nós vai abrindo clareiras, até se deter numa em que divisámos um grupo de hominídeos em passo, curiosamente, concertado.
Representa-nos “ Sulcos do teu arado” o contacto primeiro da fêmea humana com o macho logo após o despertar do sonho edénico que nos prende a atenção.
É o espanto, a crueza e a naturalidade do estupro que, no fio de uma narrativa corrida, o autor nos revela pela voz de uma mulher ferida.
Subtraída a uma inocência de cria estouvada e à protecção do seu clã, de forma capciosa, a mulher, que, aqui se revê em todas as mulheres, rende-se à “ brutidade” do homem cuja experiência a ensina a acasalar. Não aceita, todavia, ser apenas vítima do seu género. Ela quer mais e ousa sentir a carne dele. Olhando-lhe os olhos.
E acontece o primeiro oaristo, fundador do “ entre marido e mulher não metas a colher”, na intimidade da caverna para onde, arrastada e no aconchego de almofadas de pedra, ela solta palavras de dor. Que a raiva talhará na impotência precursora da proverbial resignação feminina face ao energúmeno. Que, doravante, terá de aguentar.
Mas é aqui que ela lhe surpreende o medo e com a força da fraqueza ataca resistindo. Não se cala e sente o sabor da violência gratuita, abençoada pelo Deus que sabe que ele teme. Mas que lhe vai, sim, a ele, suscitar, também, a apetência pelo poder. Que também aqui celebra os seus primeiros cânones.
Já não são simplesmente macho e fêmea. Os textos sagrados ratificaram-nos como pessoas. Mais ele do que ela. Facto que não deixa a mulher de denunciar como extraordinariamente lesivo dos seus direitos de ser humano, com direito, também, ao divino.
Começa a mulher a desafiar a tradição. E penetra territórios, até agora, tornados inacessíveis para o seu género, por aturado e vigilante esforço masculino. Investe contra uma sobranceria manca, alicerçada nas religiões de que duvida e que sempre a desprezaram.
Oferece-nos de seguida Benoît de La Reine uma série de quadros que ilustram como a sociedade orientada pelo homem a tem tratado. Pinta-nos a desagradável menstruação, e no percurso da perigosa gravidez, mostra como, apesar de tudo, ela, a mulher, permanece amarrada a preconceitos que culminam em anátemas castradores da excelência feminina.
Mas surge o amor. Que avassalador reina elegendo a carne como privilegiada ara em que se quer a arder de paixão.
E é já no conforto do seu lar moderno que neste diálogo excitante, provada a sua superioridade a todos os níveis, a mulher remete o homem à sua incompetência, e lhe declara, ter assumido o poder que sob nenhum pretexto poderia deixar ao sabor do balbucio masculino.
Não deixa, contudo, a sua natureza abandonar o “ caga na saquinha “.Pelo que generosamente, se desvela como a Mãe, que, no seu divino colo encontra sempre oportunidade para a dádiva. Assim é “ Sulcos do teu Arado de Benoît de la Reine proposto pelas Edições Ecopy.
Resumos Relacionados
- Mulher Objeto De Cama E Mesa
- Da Fêmea Aos Machos De Setim
- Gênero E Diversidade Na Escola
- Um Copo De Cólera
- Um Copo De Cólera
|
|