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Deus, um delírio
(RICHARD DAWKINS)

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Deus, um delírio é um desses livros que valem menos pelo conteúdo do que pela ousadia, menos pelo rigor acadêmico que pelas conseqüências que desencadeia. Desde que foi publicada, a obra do biólogo Richard Dawkins vem suscitando acaloradas discussões sobre a existência de Deus e o papel da religião no mundo contemporâneo. Numa época em que o fundamentalismo cristão encoraja o assassinato de médicos que realizam abortos; em que fundamentalistas mulçumanos transformam uma viagem de avião numa loteria; em que os funcionários de Deus dão maus exemplos todos os dias, com padres molestando crianças, pastores lavando dinheiro, rabinos roubando gravatas, mulás formando terroristas – estava mesmo na hora de alguém com coragem botar o dedo na ferida.
A tese central do livro é de que Deus é estatisticamente improvável, o que fica evidenciado no capítulo 4, intitulado Por que quase com certeza Deus não existe? Mas por que Deus é estatisticamente improvável? Porque as coisas que existem na natureza se desenvolvem do mais simples ao mais complexo. Deus, a acreditarmos nos religiosos, é o ser mais complexo que existe. Acreditar que Deus, descendo de sua perfeição, criou algo tão baixo e reles como a matéria é inverter a seqüência natural das coisas.
Não é uma tese nova. Bakunin já havia defendido coisa parecida em Deus e o Estado: “Concebe-se perfeitamente o desenvolvimento do mundo material, tanto quanto o da vida orgânica, animal (...). É um movimento completamente natural, do simples ao composto, do baixo para cima, ou do inferior ao superior; um movimento conforme a todas as nossas experiências cotidianas e, consequentemente, conforme também à nossa lógica natural (...)”.
Dawkins, no entanto, parece não conhecer o texto de Bakunin, pois escreve como se fosse o primeiro a enunciar a tese. Além disso, em nenhum momento cita o anarquista russo. Esta omissão reflete um dos maiores pecados de Deus, um delírio: o ralo conhecimento filosófico de seu autor. Dawkins criou um capítulo só para discutir as “provas” da existência de Deus, apresentadas, entre outros, por Tomas de Aquino e Santo Anselmo. Mas a cada passo da leitura fica claro que Dawkins nunca leu nem um nem outro, tendo possivelmente entrado em contato com os argumentos de forma indireta. Para um biólogo, talvez não seja uma grande falha desconhecer Tomas de Aquino e Santo Anselmo, mas, para um intelectual que escreve um capítulo sobre as provas filosóficas da existência de Deus, é um defeito grave.
Outras falhas de Deus, um delírio refletem a mesma incompatibilidade entre as ambições de Dawkins e as suas limitações teóricas. Em seu afã de balizar suas opiniões, Dawkins invade diversas áreas do conhecimento que não são a sua especialidade, o que popularmente se chama “meter o bedelho onde não se é chamado”. Aqui discorre sobre a física quântica, ali sobre a psicologia da religião, acolá sobre temas da teologia – se é que a teologia é um ramo do conhecimento, e não, como afirma Sam Harris, um ramo da ignorância.
Não falta também uma certa dose de ingenuidade. Dawkins parece acreditar que a supressão da religião faria do mundo um lugar muito melhor. Prevenindo a objeção de que o comunismo ateu deixou atrás de si um rastro de violência e morte, Dawkins argumenta que ninguém mata por ser ateu. O ateísmo não encoraja assassinatos. É verdade. Só faltou dizer que ele também não os proíbe. A amoralidade do ateísmo delega aos ateus a tarefa de escolher sua moral, podendo ser interpretado segundo a vontade do freguês. Um ateu pode basear a sua conduta tanto na ética da compaixão de um Schopenhauer, quanto na ética perversa de um Sade.
Criticas à parte, compartilho com Dawkins o mesmo horror intelectual pelas extravagâncias teológicas e o mesmo desejo de vê-las abolidas. Imaginem um mundo em que ninguém acreditasse em serpentes falantes, em virgens que engravidam do Espírito Santo, em homens que andam sobre águas e que ressuscitam, em anjos que ditam textos sagrados a pastores analfabetos, etc. A humanidade merece crenças melhores do que as difundidas pela religião.
Porém, a maior virtude de Deus, um delírio é a ousadia de tratar a religião com irreverência, liberdade que temos para tratar qualquer texto literário que não nos agradou ou qualquer filme que nos deixou com sono. Dawkins compreende que, quando se protege a religião da crítica, joga-se um véu de santidade sobre práticas abomináveis e se imunizam homens cujo comportamento deixaria corado os maiores biltres. Cria-se uma sociedade em que todos ficam abaixo da lei, exceto os religiosos. O primeiro caminho para abolir os privilégios da religião é criticar suas crenças e suas práticas, e Dawkins contribui tanto para alcançarmos esse objetivo que não podemos deixar de ser gratos a ele. A frase que melhor caracteriza sua coragem e a relevância de seu livro é justamente a mais citada e a mais polêmica: “O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção: ciumento, e com orgulho; controlador mesquinho, injusto e intransigente; genocida étnico e vingativo, sedento de sangue; perseguidor misógino, homofóbico, racista, infanticida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, malévolo”.
Amém.



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