Simon Wiesenthal (1908-2005)
(JC)
SIMON Wiesenthal ficará na história como o maior caçador de criminosos de guerra nazis. Após os julgamentos que as potências aliadas conduziram de 1945 a 49 - sendo o mais famoso o dos principais responsáveis do regime, efectuado em Nuremberga, cujo rol de réus começava: Hermann Wilhelm Goering, Rudolf Hess, Joachim von Ribbentrop... -, quer americanos e ingleses a Ocidente quer russos a Leste passaram a concentrar-se muito mais na luta de uns contra os outros na Guerra Fria do que no acerto final de contas com sobreviventes do antigo inimigo comum. Além disso, depois das explosões iniciais de vingança de movimentos resistentes, foi-se estabelecendo por toda a parte um espírito de «o que lá vai lá vai», necessário à reconciliação mas propício a deixar criminosos passarem sem castigo.
Foi neste ambiente que Wiesenthal se dedicou à missão da sua vida. Quando em 1944 era levado do 11.º para o 12.º campo de concentração onde esteve internado, um guarda perguntou-lhe o que é que ele diria dos campos aos americanos, cuja tropa se aproximava. «A verdade». O guarda riu-se. «Eles não vão acreditar em ti». Wiesenthal contava que essa resposta o confirmara no dever de ajudar a fazer justiça e de informar o mundo. Não era, dizia, movido por espírito de vingança. Dizia também que os judeus deveriam indignar-se e protestar não só contra o mal a eles feito mas também contra o mal feito a qualquer outra minoria.
Nascido no Império Austro-Húngaro, perto de Lvov, cidade que depois veio a ser ucraniana e polaca, conheceu desde muito cedo a força do anti-semitismo. Do anti-semitismo físico dos cossacos - o golpe de sabre de um deles, quando Simon, aos nove anos, atravessava a rua onde vivia, deixou-lhe cicatriz numa coxa para a vida - dos polacos, dos ucranianos que voltaram com os russos quando em 1944 os nazis retiraram e iam fazendo pequenos «pogroms» pelas aldeias. E anti-semitismo institucional: não pôde estudar arquitectura em Lvov porque a cota para judeus estava já preenchida e teve de o fazer em Praga.
89 pessoas da sua família, entre as quais a mãe, morreram em campos de concentração. Ele próprio, nos anos de cativeiro, tentara suicidar-se por duas vezes e por duas vezes estivera à beira de ser assassinado; fora salvo numa delas por sinos de igreja que fizeram um soldado ucraniano ir à missa, interrompendo ao chegar a ele a série de tiros na nuca a judeus alinhados contra um muro. Tinha 1,80m; quando foi libertado do campo austríaco de Mauthausen pesava 45 quilos. Logo a seguir à guerra reencontrou a mulher, que conseguira fugir, passara por polaca e sobrevivera a trabalho forçado na Alemanha. Casaram, tiveram uma filha e instalaram-se em Linz, na Áustria, onde começou o trabalho que o tornou célebre.
A escolha da Áustria fora deliberada. «Quem queira investigar malária, deve ir viver no meio de moscas tsé-tsé», disse um dia porque considerava os austríacos muito mais nazis do que os alemães. O seu conhecimento de epidemiologia era incerto mas o de anti-semitismo certeiro. Com efeito, na lista de 22.000 homens e mulheres suspeitos de participarem no Holocausto, que compilou, metade eram austríacos. Entre eles o polícia que prendera Anne Frank em Amesterdão, que, em 1963, era inspector em Viena. Foi suspenso mas o Ministério Público austríaco considerou que os seus actos não tinham sido crimes de guerra e nem sequer foi julgado. Também em 1963, um júri austríaco absolveu Franz Murer «o carrasco de Vilnius», considerado responsável pela morte de 80.000 judeus lituanos. Na Áustria, primeiro em Linz e depois em Viena para onde mudara, Wiesenthal era detestado por muita gente, incluindo políticos de esquerda como o chanceler (judeu) Bruno Kreisky e recebeu frequentemente ameaças de morte. Só quando defendeu o Presidente Kurt Waldheim, por entender que este, embora um mentiroso, nem fora nazi nem criminoso de guerra, a maioria dos austríacos se reconciliou com ele.
Em meios judeus americanos passou-se o contrário. Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e Prémio Nobel; o Congresso Mundial Judeu, atacaram Wiesenthal. Acusaram-no de exagerar muito o número de criminosos de guerra que dizia ter sido ele a descobrir. No caso que lhe deu mais renome, o de Adolf Eichmann, empreiteiro da «solução final», localizado e raptado na Argentina, julgado em Israel, condenado à morte e executado, levantaram-se dúvidas quando um antigo chefe do Mossad declarou que a contribuição de Wiesenthal tinha sido mínima. Impedira na Áustria que a mulher de Eichmann fosse declarada viúva mas, a seguir, os serviços secretos alemães e israelitas teriam feito o trabalho principal.
Estas polémicas contribuíram para que a recompensa que mais almejava - o Prémio Nobel - nunca lhe fosse dada. Mas muita gente, judia e não judia, e muitas organizações, continuaram a considerá-lo um gigante da luta contra o anti-semitismo - que à esquerda e à direita, está a voltar em força na Europa, onde de resto sempre fora a maneira tradicional de tratar judeus. Talvez mais do que nunca, será preciso não esquecer a lição de Wiesenthal.
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