Baú de espantos
(Mario Quintana)
O homem do botão
Quando esta velha nave espacial do mundo for um dia a pique
Não haverá iceberg nenhum que o explique...
Era um lugar
Era um lugar em que Deus ainda acreditava na gente...Meu Deus. - um amor!
Agora, aquela antiga cidadezinha está dormindo para sempre em sua redoma azul, em um dos museus do Céu.
Sei que choveu à noite
Sei que choveu à noite. Sobre as telhas, os diabinhos invisíveis do vento escorregam num louco tobogã.
Ó ânsia aventureira! Parece que surgem bandeirolas nos dedos mágicos dos inspetores do tráfego... A voz do Povo é um Livro de Revelações.
Agora restam-nos apenas as palavras técnicas
pertencentes ao vocabulário inerte dos robôs.
Poema, menininho condenado,
bem se via que ele não era deste mundo
nem para este mundo...Nunca mais!
Que fará ele, então, o teu Cuidado,
Da sua odienta fidelidade canina?
Do seu feroz silêncio? Do seu rosto sem cara?
Os poemas
Poemas nas pontas dos pés.
Poemas de assombração
Sumindo pelos desvãos da alma...
Poemas de pé de pilão,
um baque no coração.
Na primeira, há helicópteros pairando...
Na segunda, espiam de seus esconderijos os olhos das ratazanas...
Noturno I
O corpo adormeceu no leito.
seguem, sozinhos, no ar.
Viemos do fundo do mar,
no entanto, estamos na Lua...Do vento que faz o tempo, lento devorador de pirâmides...Cantam as belas na passarela, com seus vestidos da cor do tempo!
Noturno da viação férrea
Ora, os fantasmas são viajantes noturnos.
até que em nosso coração dorido
a Dor cravava o seu punhal selvagem!
Mas tua imagem, nosso amor, é agora
menos dos olhos, mais do coração.
A Primavera, em contrapartida é ela quem salva a honra da família! é uma menininha pulando na corda cabelos ao vento pulando e cantando debaixo da chuva curtindo o frescor da chuva que desce do céu o cheiro de terra que sobe do chão o tapa do vento na cara molhada!
Oh! a alegria do vento desgrenhando as árvores
revirando os pobres guarda-chuvas
erguendo saias!
A alegria da chuva a cantar nas vidraças
sob as vaias do vento...
Enquanto desafiando o vento, a chuva, desafiando tudo no meio da praça a menininha canta a alegria da vida
a alegria da vida!
O deixador
Eu tenho mania de deixar tudo para depois...Pouso
lá na torre da igreja.
Vês?
ou estarei apenas sonhando
que faço um poema?
O poema adormecido
De vez em quando
do fundo do sono
surgem os periscópios dos ouvidos:
parece que além, nas margens,
estão acontecendo misérias...
Bilhete atirado no fundo do tempo
Meu Deus, Catarina... ou eras Conceição... Vai buscá-lo, as coisas duram tanto, duram mais do que a gente, mais do que as almas até...Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar...
Hoje, porém, são tantos os cuidados se custa a morrer na flor dos anos...O último olhar do condenado é nítido como uma fotografia: braço do verdugo,
vê o frêmito da última folha no alto daquela árvore, além...O olhar do poeta é como o olhar de um condenado...
Em vão! vê até a pequenina formiga que sobe acaso pelo rude
O limite do poema é uma página em branco.
Este momento de euforia é a flor da eternidade.
Um poema
Não pertence ao Tempo...
Porém,
Eu estou lembrando agora é dos amantes separados para sempre
Na prisão perpétua do seu próprio tomo...
A ciranda
Meninazinha bonita dos olhos ingênuos e grandes,
uma vez na ciranda eu perdi tua mão...
O encontro
Subitamente
na esquina do poema, duas rimas
olham-se, atônitas, comovidas,
como duas irmãs desconhecidas...
no rumo de vossas almas bárbaras.
Poeta esperando a vez no dentista
A minha vida, sempre e sempre, é esta sala de espera:
na mesinha arqueológicas revistas,
na parede, as gravuras mais previstas,
umas e outras do Tempo da Era...Surgem então as fauces escarninhas
Dos silvanos e sátiros astutos.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado.
Poeminha dos setenta anos
As tantas horas vividas,
lindas horas minhas viúvas,
dizem, de riso perdidas:
"Tira o cavalo da chuva!"
Da chuva tirei-o, pois,
e, como o bom senso manda,
ficamos a sós os dois
vendo a chuva da varanda.
Depois, irei tratar da vida
como eles tratam da sua...No entanto a vida não é sonho... É algo que acaba se perdendo no ar,
No vento
No frio que agora faz...
A árvore dos poemas
Quando a árvore dos poemas não dá poemas,
Seus galhos se contorcem todos como mãos de enterrados vivos.
Um poema não é para te distraíres como com essas imagens mutantes dos caleidoscópios.
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