O Livreiro de Cabul
(Asne Seierstad)
Algumas semanas após eu ter deixado Cabul, a família se separou. Uma discussão que acabou em briga e troca de insultos entre Sultan e as duas esposas de um lado, e Leila e Bibi Gul de outro, foi tão irreconciliável que ficou difícil continuar morando juntos. Quando Yunus voltou depois da briga, Sultan o pegou de lado e disse que ele, as irmãs e a mãe tinham que respeitá-lo como ele merecia, porque Sultan era o mais velho e porque eles comiam do pão dele.
No dia seguinte, antes de amanhecer, Bibi Gul, Yunus, Leila e Bulbula deixaram o apartamento só com a roupa do corpo. Nunca mais voltaram. Eles se mudaram para a casa de Farid, o irmão deserdado de Sultan, sua mulher prestes a dar à luz e três filhos. Agora estão procurando outro lugar para morar.
Irmãos afegãos não são gentis uns com os outros, Sultan conclui no telefone de Cabul. Está na hora de viver de maneira independente.
Leila não soube mais nada de Karim. Quando o relacionamento com Mansur esfriou, foi difícil para Karim entrar em contato com a família. Além do mais, ficou - inseguro a respeito do que ele mesmo queria quando ganhou uma bolsa do Egito para estudar religião na Universidade de al-Azhar, no Cairo.
Ele vai ser mula, falou Mansur às gargalhadas numa linha ruidosa de Cabul.
O carpinteiro pegou três anos de prisão. Sultan foi impiedoso.
Malandros não podem andar soltos na sociedade. Tenho certeza de que ele roubou pelo menos vinte mil cartões-postais. O que contou sobre sua família pobre é pura mentira.
Calculo que ele deve ter ganhado um dinheirão e escondido tudo.
Mariam, que estava morrendo de medo de ter uma filha, foi protegida por Alá e teve um filho homem.
O grande contrato de livros escolares de Sultan foi por água abaixo, o ganhador foi a Universidade de Oxford. Sultan achou melhor assim.
Teria tomado todas as minhas forças, a encomenda era grande demais.
Fora isto, a livraria ia muitíssimo bem. Sultan conseguiu contratos com o Irã e está vendendo livros para as bibliotecas das embaixadas ocidentais. Ele está tentando comprar um dos cinemas fechados de Cabul para construir um centro cultural com livraria, auditório e biblioteca, um lugar no qual os cientistas possam ter acesso à sua grande coleção de livros. Para o próximo ano está prometendo mandar Mansur numa viagem de negócios à índia. Ele precisa aprender o que é responsabilidade, é bom para seu caráter, repetiu. "Talvez mande os outros meninos para a escola."
Sultan está dando folga aos três filhos nas sextas-feiras, quando podem fazer o que querem. Mansur continua freqüentando suas festas e volta sempre com novas histórias sobre onde esteve. Sua mais recente paixão é a filha do vizinho no terceiro andar.
Mas Sultan está preocupado com a situação política. Está muito perigoso, Loya Jirga deu poder demais à Aliança do Norte, não há equilíbrio. Karzai é fraco demais, ele não consegue governar o país. O melhor seria ter um governo com tecnocratas nomeados pelos europeus. Quando nós afegãos escolhemos nossos próprios líderes, dá tudo errado. Ninguém coopera e o povo sofre. Além disso, ainda não temos de volta nossas mentes pensantes; onde deveria haver os intelectuais, só há o vazio.
Mansur proibiu a mãe de trabalhar como professora. "Não é bom", é tudo que ele tem a dizer. Tudo bem para Sultan que ela quisesse recomeçar a trabalhar, mas enquanto Mansur, o seu filho mais velho, a proibisse, estava fora de questão. A tentativa de Leila de se registrar como professora tampouco teve continuidade.
Bulbula ficou com seu Rasul no final. Sultan resolveu ficar em casa no dia do casamento, e proibiu suas mulheres e filhos de irem.
Sonya e Sharifa são as únicas mulheres na casa de Sultan agora. Quando Sultan e os filhos estão no trabalho, elas ficam sozinhas no apartamento. Às vezes como mãe e filha, outras vezes como esposas rivais. Daqui a alguns meses, Sonya vai dar à luz. Ela pede a Alá que seja um menino. Ela me perguntou se eu também poderia rezar por ela.
Imagine se eu tiver mais uma filha!
Outra pequena catástrofe na família Khan.
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