A Matrix de Thomas Khun
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RESENHA DO FILME MATRIX
Rodado em 1999 nos EUA, Matrix é um marco para o cinema mundial. O filme impressiona pela plasticidade dos efeitos visuais que remontam uma atmosfera futurista em que Neo (vivido pelo ator Keanu Reeves) é o messias que salvará a Terra dos “agentes” que obtém energia por meio do cultivo de seres humanos “desprezíveis”. Mas até isso ocorrer, o espectador se impressionará ainda mais com as analogias que vão desde Platão (a partir do Mito da Caverna) a Lewis Carroll (matemático e escritor do intrigante Alice no País das Maravilhas) numa trama que tomando a Filosofia Antiga como base, faz contemporânea a mais remota das perguntas e que marca o início da própria Filosofia e o rompimento com o empirismo: a verdade. Graças ao trabalho dos roteiristas (os irmãos Larry e Andy Wachovsky) e obviamente do marketing de se trazer à tela uma produção “hollywoodiana”, não há se negar o perfeito resultado obtido na junção das artes do Cinema e da Filosofia .
Neo, imbuído do espírito científico e buscando definir o seu objeto de pesquisa pergunta a Morpheu (na mitologia o “guardião do sono” vivido por Lawrence Fishburne cuja incumbência é procurar e iniciar o salvador do mundo nessa difícil missão) o que é a Matrix e esse responde que é “um mundo de sonhos gerado por computador feito para nos controlar”. Na alegoria da caverna, onde prisioneiros desde a infância também se vêem acorrentados a uma ilusão do mundo real, Platão alude à ignorância representada pela escuridão da caverna (a matrix) e o conhecimento implementado pelo hábito no caminho da claridade, da instrução, do sol. Talvez por isso, os protagonistas que vivem à margem da matrix estão sempre de óculos escuros (proposta muito bem recebida pela indústria de óculos, naturalmente) aliás, nesse aspecto há de se ressaltar a brilhante alusão à aplicação da teoria de Thomas Kuhn (Estrutura das Revoluções Científicas, Chicago 1962 ) ao pensamento platônico. Na “metáfora dos óculos com lentes de inversão”, Kuhn refere-se à experiência dos óculos montados com lentes de inversão. Quem os usa, num primeiro momento, vê o mundo invertido e sofre uma desorientação e uma crise notáveis, mas depois volta a ver os objetos como antes, embora invertidos, sofrendo portanto uma transformação visual revolucionária.
Kuhn, introduz o termo revoluções para caracterizar de forma mais adequada a nova imagem da ciência que não acontece de forma cumulativa, mas “mediante episódios que assinalam a substituição dos paradigmas”: verdadeiro eixo de sustentação do discurso científico.
No mundo das projeções do real diluído em enganos e falsas verdades, Mr. Andersen vive o cotidiano do trabalho numa grande empresa de softwares, a rotina da disciplina, a mesmice das obrigações, mas ao mesmo tempo insiste numa perversão que rompe as barreiras físicas e adentra o mundo virtual; ele é o hacker encontrado por Trinity ( vivida por Carri-Anne Moss) com quem faz um par romântico e que teria passado pelas mesmas inquietudes à procura da verdade. Verdade que Cypher (o “Judas” que deseja retornar para a “caverna”) busca esquecer depois de viabilizar o encontro de seus amigos com o agente Smith.
Se no mundo apreensível Neo é procurado pelo fato de ser um hacker capaz de infiltrar em sistemas operacionais de alta segurança, essa qualidade aflitiva e empreendedora, porém anti-social determinará seu espírito filosófico. Também aqui percebe-se a dialética platônica de sentido ontológico, que busca adquirir a verdade a partir do discurso e opondo duas maneiras de ver um mesmo objeto.
Em Matrix, o telefone, elemento essencial para comunicação via internet entre os dois mundos (que na verdade são um só em momentos diferentes) simboliza outra concepção platônica: suas doutrinas não-escritas de “caráter essencial em torno de problemas fundamentais” transmitidas intencionalmente por via indireta mediante a dimensão da oralidade dialética de seus discípulos. Inclusive é pelo telefone (ou dialética) que Neo é convidado à Filosofia, como se intencionalmente e da mesma forma que em Platão o conhecimento assim se lhe transmitisse.
Frases como “conhece-te a ti mesmo” e “só sei que nada sei” serão recorrentes no filme e remetem à Filosofia Antiga. Para Sócrates a filosofia começa quando a pessoa aprende a duvidar, quando duvida de suas próprias crenças eleitas como certezas construídas sob parâmetros ideológicos. O oráculo, uma fumante negra fazedora de rosquinhas, enfatiza o processo de auto-questionamento que culminará na fé propulsora do conhecimento em meio a chutes e piruetas regados a kung fu cibernético, projéteis de armas de fogo que jamais acertarão o alvo e um quê de cristianismo para criar no espectador cumplicidade, com remissões a novo nascimento (como em Nicodemos que imaginava precisar entrar no ventre de sua mãe para nascer de novo e por fim ganhar o reino dos céus) e até ressurreição, momento em que se dá a convicção de que ele, o próprio Neo integra o objeto de sua pesquisa científica.
Matrix é um convite à Filosofia. Muito embora defenda a existência de um único caminho para uma só verdade por meio de um único messias, reiterando nossa dificuldade extremada de apreensão da diversidade, avidez por preconceitos e submissão à vontade do líder que são na verdade (e essa não é “A” verdade) a matrix que nos encarcera e nos subtrai do todo e de nós mesmos. Não somos reféns do escolhido, sobretudo somos escolhidos e a verdade, como o conhecimento em Bachelard deve se nos apresentar provisória imersa na infinitude do objeto que é dinâmico e móvel.
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