O príncipe cansado. Henrique IV. Shakespeare
(Erich Auerbach)
Erich Auerbach abre o capítulo intitulado “O príncipe cansado” (in: Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1976. p. 277-297) com o um trecho de Henrique IV (Shakespeare, II.ii) em que o príncipe conversa com seu servo, Poins, sobre seu desejo de beber cerveja fraca e sobre detalhes “menores” do cotidiano. Poins, por seu turno, reprova o príncipe, pois não se espera de uma figura de tão elevada posição ser acometida de estafa ou do desejo por coisas tão miúdas, inclusive a existência e a presença de uma pessoa tão inferior quanto ele, o próprio. Esse é o mote para a análise que Auerbach faz das tendências, já muito marcantes na época de Shakespeare, no que se refere a uma rígida separação entre o sublime e o real cotidiano. Tendo sido Shakespeare influenciado ou não pelos antigos (Sêneca, por exemplo), não foi suficiente para que fosse seduzido a manter essa separação estilística. Por isso mistura o alto e o baixo, o cômico e o sublime. Nesse diálogo entre o príncipe Henrique e Poins, aponta Auerbach, toda uma série de aspectos da mistura de estilos é levantada ou deixada nas entrelinhas, especialmente o elemento da criaturalidade corpórea, o dos objetos cotidianos e o da mescla de classes entre figuras de hierarquia superior e baixa. De fato, o mais marcante é a mistura das personagens, com a consequente mescla do trágico com o cômico. A cena do julgamento com Shylock e Antônio, em O mercador de Veneza (Shakespeare), também é um ponto central nesse capítulo de Auerbach, no que se refere a essa mistura de estilos. Naturalmente, Hamlet é a peça shakespereana que mais oferece exemplos contundentes, mas todas as tragédias de Shakespeare utilizam essa mesma dinâmica estilística, como em Macbeth. Em grande medida, o que Auerbach objetiva fazer nesse capítulo é comparar e contrastar a Antiguidade como o período elizabetano (Renascimento) em termos de distintas visões de mundo representadas em obras literárias e na arte em geral. Portanto, Auerbach nos informa que, se não inaugura completamente, Shakespeare certamente consolida um novo modo de representação (mimese) da realidade na literatura ocidental.
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