Nélida Piñon. Colheita.
(Nélida Piñon)
Nélida Piñon é uma das poucas autoras brasileiras que se assumem publicamente como feministas e preocupadas com a condição feminina. E não é pouco: foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras.Em seu conto “Colheita”, o homem e a mulher não têm nomes. São categorias míticas e construções culturais reais. Há muita simbologia e uma abundância de metáforas, além de um toque de realismo fantástico, em que o onírico e o real se mesclam.É a narrativa sobre um casal em que o homem decide partir para conquistas o mundo, enquanto a mulher fica a sua espera sem previsão de retorno. É um conto que se insere-se na tradição ocidental – desde Odisseu, de Homero – do homem representado como aventureiro e no domínio da esfera pública, enquanto compete à mulher o lugar de espera e a esfera privada do lar. Ela espera o homem como se fosse a confirmação de que o homem pode ir para o mundo (aí incluída a disposição de outras mulheres), enquanto ela é de um homem só.São oferecidas inúmeras outras imagens consolidadas das diferenças cultural e socialmente construídas para homens e mulheres: o homem é potro, a mulher, caramujo; o homem, o exterior, a mulher, o interior (doméstico); o homem fala, a mulher cala. Porém, a mensagem central do conto é a inversão no final, quando a mulher se “apodera das palavras” e não permite que ele conte, ao retornar, sobre suas aventuras – lugar discursivo construído para os homens, esse de narrar a experiência do vivido, enquanto a mulher ocupa o lugar de leitora e ouvinte. Após interromper sua narração, é ela que assume a fala e conta suas “aventuras” vividas nos anos de espera: cuidar da casa, administrar a cozinha... “Colheita” é, de fato, a representação metafórica de como a contemporaneidade trata a questão da voz feminina: desde os anos 60, o movimento feminista prega que “o doméstico é político”. Assim, o discurso da mulher, nesse conto, mostra como a mulher tem muito a dizer, não importa o lugar que esteja. Tem o que ensinar, especialmente de que sua subjetividade e suas circunstâncias podem instruir significativamente, assim como o discurso do homem. Não é eliminar o discurso masculino. É acrescentar o da mulher. É valorizar o discurso sobre o comezinho. As grandes aventuras, como a de Ulisses, não interessam tanto no pós-moderno quanto os discursos menores. E é no fim do conto que homens e mulheres se deparam com suas solidões particulares e comungam possibilidades com suas identidades particulares. O feminino e o masculino se sabem capazes de transitar no universo do outro sem a perda de sua integridade. Ou até conquistando sua inteireza identitária e seu caráter humano, no bojo de suas diferenças. Essa é a grande mensagem de Nélida Piñon com esse homem e essa mulher sem nomes, em sua “Colheita” (in: PIÑON, Nélida. Sala de armas. 3. ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989).
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