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A DOBRA - MICHEL FOUCAULT: Desrazão, Poder & Filosofia
(JOSÉ MANUEL DE SACADURA ROCHA)

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Este livro não é uma tese, nem mesmo um trabalho com todo o rigor da academia. Esses rigores escolásticos muitas vezes nos constrangem. Nada contra: faz parte. Mas aqui se quis ousar. Também não é um manual. É uma terapia, um grito, uma dor. Estudo solitário; desdobramentos tão pessoais que se pode ouvir a batida de um coração, ver o pulsar das veias, sentir o incômodo de uma geração, o mal-estar de uma civilização.
Compreendam-se mal entendidos: estamos começando de novo, num mundo onde cada pegada deve sobrepor-se exatamente à pegada de outrora. Os índios Sioux norte-americanos diziam que “um homem se conhece para sempre pelos rastros que deixou atrás de si”. Este livro tenta iluminar certos rastros e apagar outros!
Por exemplo, me perdoem por ver tanto humanismo em Foucault. Sobretudo, ele que me perdoe! Mas como deixar de o ser em uma ética que se inspirou nos filósofos da Antiguidade, que se iluminou com Kant e que se indignou com as atrocidades do stalinismo, dos manicômios, das prisões, das discriminações e perseguições de gênero e sexo?! Entendemos neste livro humanismo como uma ética, portanto uma prática que resgata o homem como um “fim em si mesmo” e não como um “instrumento produtivo e de consumo” a serviço da gestão Biopolítica do Estado. Epicuro era um “humanista” ao dizer a Meneceu “Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde de espírito” (Carta Sobre a Felicidade [a Meneceu], 1997:21)!
Fiz umas aproximações: reconheço a possibilidade da discussão na ousadia. Foucault e Kant, Marx, Nietzsche, Freud, Sartre, Certeau, Deleuze, Heller – aproximações, amizades. Possibilidades de medir com precisão aquelas pegadas antigas e colocar novo andar nelas.
Pelo menos desde o século XIX até hoje, temos a sensação que a razão afinal triunfará sobre o animalesco. Para uns os instintos humanos são a ferocidade a ser controlada; para outros a imaginação criativa do inconsciente. Todavia, todos sabem o que é um ato abominável. Na primeira metade do século XX e ainda em nossos dias descobrimos a exata dimensão da nossa aptidão em sermos animalescos. A armadilha não está em saber utilizar esse “animal humano” em uma obra de arte voltada para si, mas em acreditar que ele já se apagou em nós, ou que só se apresenta em situações de exceção, como as guerras. A Biopolítica moderna não se preocupa mais em provar que pode nos controlar: ela o faz descaradamente, sofisticadamente, mas à luz do dia, por dentro da normalidade que exigimos. Ela o faz e ponto. Acreditamos em nossa humanidade. Exceções são exceções. E o infortúnio da bestialidade permanece natural entre nós à luz da razão.
O cuidado de si é uma ética que pratica o voltar-se para si mesmo. A dobra pressupõe a aproximação que está nos “últimos dias”: não é anarquismo, mas a liberdade de responsabilidades que começa por si mesmo e que a partir daí se expande para os demais. O cuidado de si – definir-se a si mesmo, compreender-se meio às estratégias de clausura e sujeição, preocupar-se consigo, ter a virtù da verve e a fortuna do escapismo, construir saberes e espaços alternativos – é afirmação. Não o pode ser para as “coisas” das quais não acreditamos podermos extrair razão e sentimentos; como não o pode ser só, unicamente, isoladamente, para si só!
Há que se fazer a distinção entre o momento de “criação” e a “animação” que subjaz. Um é solidão; a outra é a vida. No primeiro momento existe a desaceleração; depois a aceleração.
Van Gogh cortou uma orelha para não escutar – pelo menos é o que Artaud diz (Van Gogh: O Suicidado pela Sociedade). Depois precisou pintar-se a si mesmo – os espelhos daquele tempo eram ruins?! Mas, entre uma coisa e outra, jamais deixou de pintar os girassóis, os homens e as mulheres do povo trabalhando, os miseráveis comendo batatas, a bíblia, os sapatos e as botinas carcomidas e furadas, uma caveira, crianças, velhos, angústias, estrelas e campos floridos.
Nietzsche: “Mais vale ser surdo do que ensurdecido”! (2005a:176).
Michael Foucault “saiu” dos obscuros, os construiu como instrumento de possibilidades, criou uma ética de subjetivação. Homens infames cujo brilho erradia dos holofotes oportunistas e normativos dos significantes normais. Mas, ainda por uma réstia de humanidade, por uma centelha de fogo fugidio, por uma dilaceração e desaceleração que permite outro olhar, podemos nos constituir para nós mesmos, não mais como sujeitados às “máquinas de guerra” de domesticação e patrulhamento logístico de nossas energias, e não como dispositivos desse mesmo patrulhamento, mas fuga, renúncia e resistência a tudo isso, a esse controle cibernético de hoje.
A aceleração da vida não nos permite “ver”. Infelizmente nosso espírito capta tudo. Precisamos parar essa negação, abandonar esse espírito reativo, desarticular em nós essa indolência que só se manifesta para denunciar os outros. O confinamento, o patrulhamento, a domesticação, a instrumentalização nutrem-se disso. Somos os carrascos de nós mesmos.
Uma outra aceleração é possível. Uma vida afirmativa e boa é possível. Uma certa ética desobediente é possível. Para Foucault há que se retomar o imperativo socrático: “’Ocupa-te de ti mesmo’, ou seja: ‘Constitua-te livremente, pelo domínio de ti mesmo’”.
Não existem conclusões. Cada um precisa descobrir as suas!



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