Contos de Bobo
()
O trem descarrilou, por obra do destino sobrevivi, a carne, o homem sucumbiu.Acordei num tipo de choupana, sobre mim várias minúsculas cabeças, talvez fossem de micos, bugiganga contra mandinga, sabe-se lá o quê. Estava zonzo com aquela fumaça, acho que era maconha. Com certeza era tudo para a minha cura, pois cada vez que despertava, sentia menos dor e o mal estar diminuía. Semanas transcorreram até poder ficar de pé e conhecer o meu bem-feitor, seu nome Chimango, um Gavião que vivia no sertão no tempo dos seus avos. Chamavam-no assim porque tinha uma visão acima de todos os homens e mulheres da aldeia. Era o curandeiro do seu povo, herdou o dom de sua bisavó. Com o passar do tempo conquistei a confiança daquela gente esquisita, contudo hospitaleira, quase ingênuos, agiam como crianças grandes, brincavam o dia inteiro, caçavam, nadavam. À noite, ao redor de fogueiras, contavam histórias de como os deuses criaram a sua gente, os animais, os rios, as árvores, a chuva, o sol, a lua, as estrelas e tudo o mais. Esta atividade noturna repetia-se sistematicamente, ninguém deixava de comparecer. Acabei aprendendo o idioma deles, suas origens, suas crenças. Caminhando para a roda do fogo, ouvi gritos, berros de almas doutro mundo, fiquei atônito, totens gigantescos, giravam e cantarolavam mantras que evocavam espíritos dos mortos. Meu curador, empossado por seu deva se dirigiu até a mim e sentenciou, volte e seja o louco. Sem entender fui dormir, no dia seguinte voltaria para o meu país, depois de um longo período, provavelmente tido como desaparecido ou morto. No primeiro contato com a civilização as pessoas me olhavam com repugnância, riam, fugiam e afastavam-se. Cabeludo, barbudo e vestido com trapos aparentava um andarilho ou maloqueiro a espreita. Ensimesmado segui até uma pousada. O recepcionista com descaso informou que esgotaram os quartos, e mandou-me procurar um abrigo para indigentes. Envergonhado, saí rápido sem questionar, me sentia um selvagem aterrorizado. Depois de dormir várias vezes ao relento, encontrei debaixo duma ponte um mocó, e ali construí o meu lar. Passou fome, frio e solidão, e desapercebidamente perdera a memória do sangue azul que corria em suas veias. Lembrou do conselho do seu guru indígena. Concentrou-se, sintonizou e telepaticamente criou uma indumentária a qual lhe conferia poderes extrasensoriais. Esquizofrenicamente seguia vozes e vultos ordenando sair à rua e orientando nas curas e adivinhações àqueles que lhe davam um momento de atenção para ouvir aos seus contos de bobo.
Resumos Relacionados
- Experience Is A Good Teacher
- Lenda Do Primeiro Kuarup
- Resumo De Dom Quixote De La Mancha
- A Arqueologia Da Violência
- Continuando As Histórias De "primeiras Estórias"
|
|